BC viabiliza a irresponsabilidade fiscal. Se não concorda, instituição tem a obrigação de mudar o discurso e denunciar à sociedade
Inflação em alta, com metas de inflação descontroladas, é hora de banqueiros centrais — no cargo, ou fora dele — entoarem o seu mantra: o BC é uma vítima indefesa do desequilíbrio das contas públicas. Fossem estas equilibradas e a inflação estaria sempre no centro da meta. Falso.
Quem estabelece as metas, com inteira liberdade, é o BC que, ao estabelecê-las, está ciente do desequilíbrio fiscal, declarado no Orçamento elaborado pelo Executivo, e aprovado pelo Legislativo. No mínimo, errou, e continua errando, no cálculo da meta.
Além disso, quem disse que descontrole fiscal gera inflação? O déficit público é financiado pela emissão de dívida pública pelo Tesouro, que, ao colocar esta dívida no mercado, recebe reais dos investidores, e entrega os títulos. O meio circulante não se altera em um centavo sequer — onde está o efeito inflacionário? Nem poderia ser de outra maneira, posto que o Tesouro não emite moeda, que é função atribuída pelo governo, em caráter de monopólio, ao BC.
A inflação ocorre a partir do momento em que o BC compra (monetiza) esta dívida dos investidores. Aí o processo se inverte, com o BC recebendo os títulos e entregando reais — que ele emite. Está colocado em marcha um processo inflacionário, de exclusiva criação do BC.
Isto, por outro lado, revela o absoluto poder do BC de fazer cessar qualquer inflação, em curto prazo. Basta uma circular: “A partir desta data o BC manterá congelados os saldos de sua carteira de títulos públicos e privados, somente renovando os valores vencidos.” Foi com esta circular que Hjalmar Schacht, o lendário banqueiro central da Alemanha, em 1924 (sem computadores, nem sofisticados modelos macroeconômicos), derrubou um violento ataque cambial contra o marco, que retomou sua estabilidade em exatos 57 dias. E estamos sofrendo, há décadas, para estabilizar o real, sem sucesso!
E por que o BC não exerce o seu poder? Por duas simples razões. A primeira porque congelar a carteira de títulos públicos agride a missão estatutária do BC de garantir a liquidez da dívida pública. Seria negar a sua natureza, de agente do governo, portanto, necessariamente conivente.
A segunda porque congelar a carteira de títulos privados, apesar de mínima no Brasil, sinalizaria, de forma irreversível, a morte de programas demagógicos como o Minha Casa Minha Vida, cartões BNDES e financiamentos imobiliários em 30 anos, com uma moeda cujo futuro não se enxerga além dos próximos seis meses! Mas isso exporia a fragilidade dos banqueiros centrais no papel de fomentadores do PIB.
Em síntese, utilizar o crédito, e não o juro, como instrumento anti-inflacionário, liquidaria, junto com a inflação, a demagogia do crédito farto, construída pelo BC a partir de 2008, na vã tentativa de criar uma marolinha, destinada a mostrar que “nunca antes na história do mundo etc”.
Portanto, discursar sobre a culpa dos outros, sem jamais assumir a sua exclusiva responsabilidade, oculta o fundamental: o BC viabiliza a irresponsabilidade fiscal. Se não concorda, tem a obrigação de mudar o discurso, e denunciar à sociedade a irresponsabilidade de se emitir moeda lastreada em dívida pública, que é a expressão do descontrole fiscal. O BC, longe de ser a vítima, é o próprio agente da inflação.
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