Em 1929, o prefeito de Palmeira dos Índios enviou o seu relatório de prestação de contas para o governador das Alagoas. Os trabalhos realizados "não foram muitos, que os nossos recursos são exíguos. Assim minguados, entretanto, quase insensíveis ao observador afastado, que desconheça as condições em que o município se achava, muito me custaram".
"Dos funcionários que encontrei...restam poucos: saíram os que faziam política e os que não faziam coisa nenhuma. Os atuais não se metem onde não são necessários, cumprem as suas obrigações e, sobretudo, não se enganam em contas. Devo muito a eles. Não sei se a administração do Município é boa ou ruim. Talvez pudesse ser pior".
O relato surpreende pelo detalhamento da prestação de contas, pela escrita e pela indignação quando a coisa pública é tratada como subserviente a interesses indevidos.
"Certos indivíduos... imaginam que devem ser consultados; outros se julgam autoridade bastante para dizer aos contribuintes que não paguem impostos." "Não me entendi com esses."
"Não favoreci ninguém. Devo ter cometido numerosos disparates. Todos os meus erros, porém, foram da inteligência, que é fraca." "Perdi vários amigos...Não me fizeram falta."
No relatório seguinte, comentou o ajuste das contas públicas: "E não empreguei rigores excessivos". Apenas "extingui favores largamente concedidos" a quem não precisava. Foram "indispensáveis alguns meses para corrigir irregularidades, muito sérias, prejudiciais à arrecadação".
Prestar contas é o que se espera de todo governo. As políticas devem ser avaliadas, discriminando custos e resultados, sem descuidar de esclarecer a quem beneficiam.
Na crise atual, seria útil saber das obrigações já assumidas para os próximos anos, como as decorrentes de subsídios e benefícios tributários, além do risco de inadimplência nos empréstimos com recursos públicos.
Preocupa que o descontrole fiscal tenha se iniciado sem que os dados oficiais refletissem a sua degradação. Como prevenir a reincidência do problema?
Contas precisas e transparentes colaboram com o debate sobre como enfrentar os problemas.
Gasta-se em demasia com servidores e aposentados públicos? Serão extintos favores como as desonerações ou as proteções setoriais?
Alguns preservam os seus amigos. Outros preferem a coisa pública.
Reza a lenda que, impressionado com os relatórios do prefeito, Augusto Frederico Schmidt pediu-lhe o romance que devia ter na gaveta. A lenda parece apenas tangenciar a verdade, mas é certo que a repercussão dos relatórios antecipou o escritor. Em 1933, Schmidt publicou "Caetés", de Graciliano Ramos.
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