O projeto de lei que busca coibir o abuso de autoridade por parte de juízes, promotores, policiais e outros servidores públicos tem dois problemas e algumas virtudes. O primeiro vício é de origem. A proposta passou pelo gabinete de Renan Calheiros, enroladíssimo com a Lava Jato. Não pega bem que investigados mexam em regras que podem afetar as investigações —mesmo que o PL seja no geral bom.
A segunda dificuldade é a mais grave. O artigo 9º do PL torna crime "ordenar ou executar a captura, detenção ou prisão fora das hipóteses legais ou sem o cumprimento ou a observância de suas formalidades". A redação é ligeiramente diferente da norma hoje em vigor, a lei nº 4.898/65, que considera abuso de autoridade a prisão "sem as formalidades legais ou com abuso de poder".
Se o diploma mais antigo não diz muita coisa —abuso de autoridade é definido como abuso de poder, que não recebe nenhuma definição—, a proposta atual avança demais. Ela permite que o magistrado responda criminalmente por interpretar a lei, caso a sua leitura seja diferente da hermenêutica do órgão hierarquicamente superior. Se o que está "fora das hipóteses legais" fosse assim tão óbvio, não precisaríamos de juízes humanos, que poderiam ser trocados por programas de computador.
Gostemos ou não, uma lei que diz que o magistrado precisa necessariamente acertar no mérito de suas decisões ou não será aplicada —hipótese mais provável—, ou inviabiliza as instâncias iniciais da Justiça. Lamentavelmente, é preciso restringir a regulação da atividade jurisdicional a seus aspectos mais formais.
De resto, o grosso do PL traz dispositivos bastante razoáveis e necessários para coibir abusos principalmente por parte de policiais, que, sabemos, ocorrem às pencas.
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PS - Lanço nesta terça (2), na Livraria da Vila da Fradique Coutinho, o livro "Pensando bem...". Quem estiver à toa e quiser aparecer será bem-vindo.
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