Mesmo que em menor número do que no passado recente, milhares de pessoas voltaram no domingo às ruas de diversas cidades do país para defender ou criticar o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. Desta vez, com uma diferença significativa: nunca antes o nome de Michel Temer havia sido colocado, abertamente e por seus próprios aliados, como um presidente já pré-candidato à reeleição. Embora ainda no cargo de forma interina, Temer, a partir de agora, deve acostumar-se com o papel de vidraça.
Como era de se esperar, o pemedebista apressou-se a reafirmar que não tentará permanecer no cargo. Não só devido ao fato de que a eleição de 2018 está distante, mas porque declarações anteriores suas a respeito do assunto viabilizaram a construção de uma ampla base de apoio ao afastamento de Dilma da Presidência da República e à tramitação de medidas que certamente gerarão insatisfação em diversas parcelas da população. Mas o movimento causou tanto desconforto em alas da coalizão governista, sobretudo no PSDB, que Temer precisou voltar a agir em reunião com líderes partidários.
Até agora, o pemedebista tem conseguido descolar sua imagem da mal avaliada administração Dilma. Entre os manifestantes de domingo favoráveis à interrupção do mandato da petista, foram pontuais as menções a Temer. Ele é visto ora como um mal menor, mas necessário para tirar o PT do Palácio do Planalto, ora como mais um integrante da famigerada classe política. No entanto, os ataques ao presidente interino limitam-se à frente de esquerda contrária ao impeachment de Dilma Rousseff.
Sem as presenças da presidente afastada e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura da Olimpíada, Temer acabará tendo que dividir na sexta-feira as eventuais vaias dos espectadores apenas com as autoridades fluminenses. Fora do estádio do Maracanã, contudo, será o principal alvo da Central Únicas dos Trabalhadores (CUT) e outras entidades da frente que realizará protestos no Rio de Janeiro e em outras capitais.
A expectativa de dirigentes de movimentos sociais e sindicatos é que esse cenário mude de vez quando Temer levar adiante projetos que alterem as regras da Previdência Social ou a legislação trabalhista. Uma mobilização nacional em defesa do "emprego, direitos e da Previdência Social" foi marcada pelas principais centrais sindicais para o dia 16 de agosto, depois da sinalização do governo de que tais mudanças já estão sendo preparadas pela equipe econômica.
Além da reforma da Previdência, estão em elaboração propostas que regulamentam a terceirização, permitem a flexibilização dos contratos de trabalho, mudam normas de segurança na operação de máquinas e equipamentos e viabilizam acordos coletivos de propósito específico que se sobreponham à legislação - medidas que, na avaliação de autoridades do governo, teriam impactos positivos na produtividade e nos custos de produção no país.
Todas são esperadas pelos empresários, mas devem enfrentar resistência dos sindicatos. Restará a Temer e sua equipe tentar reduzir os obstáculos impostos pelas entidades que consideram legítimo e estão abertas ao diálogo com o seu governo. Essa investida deve começar pela União Geral dos Trabalhadores (UGT) e a Força Sindical, duas das maiores centrais brasileiras e que têm ligações diretas com partidos da base de Temer - PSD e SD, respectivamente. Até agora, elas não dão sinais públicos de que aceitarão as propostas do Executivo sem briga.
O embate entre políticos citados em denúncias de corrupção, investigadores e juízes não é novo. Tampouco uma singularidade do Brasil.
Na Catalunha, por exemplo, há cerca de duas semanas um integrante do Ministério Público local foi às manchetes dos jornais depois de cobrar, numa comissão parlamentar que discutia medidas de combate à corrupção, que os políticos implicados em denúncias deveriam renunciar em vez de se esconderem atrás de processos judiciais. "Neste país temos que aprender a renunciar, apesar que se possa, ao final, ser injusto, porque ninguém disse que a política tem que ser justa", afirmou Emilio Sánchez Ulled, também conhecido por combater irregularidades no mundo do futebol.
A um oceano de distância da dramaticidade das palavras do fiscal anticorrupção catalão, promotores, procuradores, juízes e policiais federais brasileiros tentam evitar que avance no Congresso o projeto de lei que visa coibir o abuso de autoridade. É um tema que, se tratado de forma genérica e teórica, dificilmente encontrará opositores - uma vez que o cidadão comum convive cotidianamente com casos do tipo. Os detalhes do projeto, no entanto, preocupam quem está na linha de frente no confronto com corruptos e corruptores.
Um dos pontos criticados é o trecho que permite um investigado processar, no privado, quem tenta esclarecer fatos. Ele é visto como um potencial instrumento para intimidações.
Um dos principais entusiastas do projeto é o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). O relatório está a cargo do senador Romero Jucá (PMDB-RR). O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal(STF) e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), também apoia a iniciativa.
A proposta remete ao pacto republicano fechado em 2009, no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e quando Gilmar Mendes estava à frente do STF. A principal operação policial do país era a ruidosa Satiagraha. José Sarney comandava o Senado e o hoje presidente interino Michel Temer, a Câmara.
Os anos se passaram, os personagens de então assumiram diferentes papéis e o projeto continua a tramitar no Congresso. A recente decisão do ex-presidente Lula de ir às Nações Unidas contra os responsáveis pela Operação Lava-Jato dá uma ideia das possíveis consequências da proposta - um prato cheio para quem eventualmente quiser, como disse o promotor catalão, esconder-se atrás de processos judiciais.
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