ESTADÃO - 04/10
Apesar das declarações apaziguadoras de ambos os lados, será muito difícil superar a situação criada, pela qual todos, oposição e governo, de uma maneira ou outra, são responsáveis
A vitória do não no plebiscito sobre o acordo de paz assinado entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) – conseguido a duras penas e que, apesar de suas imperfeições, abriu as portas para a reconciliação nacional – mergulha o país num clima de incerteza, principalmente porque não se pode excluir a possibilidade de retomada dos combates. Apesar das declarações apaziguadoras de ambos os lados, será muito difícil superar a situação criada, pela qual todos, oposição e governo, de uma maneira ou outra, são responsáveis.
O presidente Juan Manuel Santos assegurou que o cessar-fogo bilateral continuará valendo e que entrará em entendimentos com a oposição que comandou a campanha pelo não: “Todos querem a paz. Convocarei todas as forças políticas para determinarmos o caminho a seguir”. As Farc declaram sua vontade de chegar à paz e “usar somente a palavra como arma”. E a oposição, a começar pelo ex-presidente Álvaro Uribe, o mais obstinado defensor do não, também procura deixar aberta uma porta para a conciliação.
É como se todos, agora que aconteceu o pior, quisessem pôr panos quentes, em vez de reconhecer corajosamente os erros que cometeram. O presidente Santos tem a seu favor a coragem e a sensibilidade de ter percebido tanto que havia chegado a hora de negociar com a guerrilha como que, realisticamente, um acordo perfeito era impossível. Mas cometeu um grave engano ao submeter o acordo – de forma ingênua e bisonha – a um plebiscito, cedendo à tentação politicamente correta de que o povo deve se manifestar diretamente sobre determinadas questões, como se o regime representativo não fosse suficientemente democrático.
Por esse caminho equivocado enveredaram as Farc – compreensivelmente porque de democracia não entendem grande coisa –, mas também a oposição liderada por Uribe. Os observadores mais atentos nunca se deixaram iludir pelas pesquisas de opinião que indicavam vitória ainda que apertada do sim. Saltava aos olhos que, tendo em vista as profundas marcas deixadas por mais de 50 anos de conflito, ao qual não faltaram episódios cruéis protagonizados pelos guerrilheiros, não era sensato exigir de uma maioria ocasional da população – como acontece com as consultas plebiscitárias – uma decisão equilibrada, e sobre questão tão importante.
Apenas 37,4% dos eleitores habilitados votaram, o que significa que os 50,2% que recusaram o acordo representam apenas 18,8% do total dos eleitores colombianos. Um rematado desatino. Como formalmente as regras desse jogo foram respeitadas, o mal está feito e não há como deixar de respeitar o resultado.
Agora não adianta Uribe afirmar, em tom conciliador, estar disposto a conversar com o governo para chegar a um “acordo nacional”. Até porque insiste – com maior força ainda, é claro – em sua proposta de renegociar o acordo “para que não haja impunidade”. Para ele, impunidade é o entendimento a que se chegou de submeter os guerrilheiros culpados de crimes a tribunais especiais, que poderão aplicar penas alternativas à de prisão.
Nesse e em outros pontos não se chegou, é verdade, à solução ideal, mais justa, para quem cometeu ou ordenou crimes graves. Mas é da natureza dos acordos de paz fazer apenas o possível. O que vale é saber se o balanço dos ganhos e perdas compensa. Uribe carrega uma pesada responsabilidade pela complicada situação em que o resultado do plebiscito jogou seu país, como se tivesse se guiado mais pelo ressentimento – seu pai foi uma dos milhares de vítimas das Farc – do que pela razão. Ele soube fazer a guerra – seu governo foi o principal responsável pelas derrotas infligidas às Farc e que as obrigaram a negociar –, mas não a paz.
Todos querem agora tirar a Colômbia da enrascada em que essa sucessão de erros a meteu. Até o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, assustado com a possibilidade de reinício da guerra, promete ajudar. Mas tudo indica que dias difíceis esperam o país.
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