O Globo - 08/09
A saída de Dilma resolve um problema do PT. É muito mais fácil fazer manifestação contra do que a favor, até porque é indefensável um governo como o de Dilma. A truculência da polícia paulista dá ao PT o argumento definitivo para sustentar a “narrativa” de que há no país uma luta entre democratas e golpistas. A atitude do governo Temer de subestimar os protestos completa a festa petista.
Os atos radicais dos black blocks não legitimam o comportamento da polícia paulista que, entra secretário, sai secretário, só consegue ir para a rua se for para, a certa altura, bater em quem vê pela frente. Em outros estados, também há relatos de violência policial desnecessária, mas em São Paulo são mais frequentes. São incontáveis os jornalistas que já sofreram nas mãos de policiais, mesmo exibindo os seus crachás de imprensa brasileira ou estrangeira. Haver um grupo desordeiro em um protesto não justifica a reação violenta contra todos. O Estado tem o poder de polícia para usá-lo na defesa do cidadão, e não o contrário. Um coronel achar engraçado uma jovem de 19 anos perder a visão de um dos olhos é revoltante.
O MST foi para a rua contra a reforma da Previdência afirmando que ela trará prejuízo para os trabalhadores e nada disse sobre o fato de que trabalhadores e aposentados das estatais estavam sendo roubados pelo governo que acaba de cair. É notável também o silêncio da CUT diante das revelações da Operação Greenfield. Que parte o MST e a CUT não entenderam? Vale talvez explicar de novo: dirigentes de fundos de pensão, nomeados pelo Partido dos Trabalhadores, em cumplicidade com grandes empresários, roubaram o patrimônio dos trabalhadores e dos aposentados das estatais. Simples assim.
Uma crise é uma crise é uma crise. Nela, o mau humor das pessoas fica em alta porque a compra mensal é mais cara a cada mês, os empregos somem, as empresas quebram, os empréstimos são negados, o lazer não cabe no orçamento, o futuro se torna sombrio. Neste ambiente, aumenta a raiva. Contra quem? O governo, ora. É disso que o PT escapou com a transformação de Dilma Rousseff em ex-presidente. Quando ela pegou seu avião e despachou seus quatro caminhões para o Rio Grande do Sul estava resolvendo um problema que parecia insolúvel. Seu governo criou uma crise de grandes dimensões, mas poderá agora dizer que tudo é culpa daqueles que supostamente usurparam o poder.
O governo Temer não é aquele pelo qual alguém se disponha a ir para a rua em defesa. Os milhões que se vestiram de verde e amarelo e cantaram o hino nacional nas ruas do Brasil várias vezes desde 2013 estavam contra o governo de então, o PT, a corrupção, a crise econômica. Não voltariam às ruas para gritar “Bora Temer”. Podem ser chamados a voltar apenas para mostrar mais uma vez que são contra o PT e suas práticas, mas agora, que o partido está fora do Planalto, há muito menos interesse.
O pior que o governo Temer pode fazer ele já fez: subestimar manifestação. A política ensina que simplesmente não se faz isso. Antes, a máquina governista, os sindicatos e movimentos financiados pelo governo tinham que ser mobilizados para defender Dilma. Agora é mais fácil conseguir a adesão de quem não tem nada com isso, apenas está irritado com o ambiente hostil da economia. Se o governo diz que só há 40 pessoas nos protestos, e a polícia paulista comete seus costumeiros excessos, fica ainda mais fácil convencer os jovens de que eles vivem uma luta de resistência heroica, como a do passado.
A recessão continuará colhendo suas vítimas nos próximos meses e a melhora será lenta porque a economia afundou demais durante o governo Dilma. Quem herda o governo, paga o preço. Adiantará pouco Temer dizer que está cortando em programas sociais porque o dinheiro do orçamento é curto e mostrar que os cortes haviam começado no tempo da sua antecessora. A verdade é a primeira vítima em época de radicalização.
Os petistas perderam, na saída do poder, as muitas sondas pelas quais extraíram dinheiro do Estado, das estatais, dos fundos de pensão para se financiar e encher muitos bolsos. Mas estão na confortável situação de jogar pedras contra as vidraças nas quais eles estavam até recentemente e criticar a crise que eles mesmos criaram.
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