FOLHA DE SP - 31/07
A inflação alta é 'sazonal', mas a inflação baixa (em um único mês!) é mérito governamental
Não tem nada a ver, juro, com a visita do papa, mas lendo a entrevista dominical da presidente da República à Folha me lembrei do ditado favorito de minha amiga, e economista de respeito, Tatiana Pinheiro (que, às vezes, também produz pérolas inesquecíveis, como a "menina dos ovos de ouro"): "pau que bate em Chico também bate em Francisco".
A frase é geralmente citada quando surge uma assimetria grave na análise, isto é, quando determinado argumento é formulado sem muita noção de suas consequências lógicas caso a premissa seja alterada.
Lendo o parágrafo anterior, noto que a última frase não é um primor de clareza, mas acredito que o ponto pode ser facilmente ilustrado pelos inúmeros casos que pululam na fala presidencial.
Questionada, por exemplo, sobre o baixo crescimento, a presidente saiu-se com: "O mundo cresce pouco. Não somos uma ilha".
Trata-se de resposta aparentemente sensata, mas que não passa no teste de simetria, pois, quando o Brasil viveu um período de crescimento mais acelerado, em momento algum se ouviu a presidente dizer que nosso desempenho resultava do bom momento mundial.
Pelo contrário, o mérito era do governo, embora o PIB brasileiro tenha se expandido a uma taxa pouco inferior à média global. Da mesma forma, quando o país se encontrou entre aqueles que saíram de forma mais vigorosa da crise, dizia-se que era uma ilha de prosperidade. Somos e deixamos de sê-lo ao sabor das conveniências do governo.
Igualmente, a presidente enche a boca para falar da inflação baixa de julho, resultado pontual, fortemente influenciado pela redução das tarifas de transporte urbano, mas não veio a público para externar sua preocupação com a inflação alta no primeiro quadrimestre do ano.
A inflação alta é "sazonal", ou "resultado de um choque agrícola", mas a inflação baixa (em um único mês!) é mérito governamental. E, posso apostar, quando a inflação voltar a se acelerar mais para o final do ano, a presidente não assumirá a responsabilidade, mas voltará a invocar razões sazonais e pontuais, que, na visão do governo, só são importantes para explicar a inflação alta; jamais a inflação baixa.
Segundo a presidente, tudo também vai bem no campo do gasto público ("O deficit da Previdência é 1% do PIB. As despesas com pessoal, de 4,2%, as menores em dez anos"), apesar de o dispêndio, medido como proporção do PIB, encontrar-se no nível mais alto da história (18,3% do PIB).
Já o investimento federal, mesmo vitaminado desde o ano passado com a contabilização dos recursos do programa Minha Casa, Minha Vida, cresce como rabo de cavalo e responde por modesto 1,3% do PIB nos últimos 12 meses, insuficiente para atender os requisitos de expansão da infraestrutura.
Na verdade, na primeira metade deste ano os gastos correntes aumentaram (descontada a inflação) cerca de R$ 26 bilhões; o investimento caiu R$ 1,8 bilhão. Assim, mesmo o aumento das receitas, pouco superior a R$ 5 bilhões, não foi capaz de impedir a visível redução do superavit primário federal (oficial), de R$ 52 bilhões no primeiro semestre de 2012 para R$ 35 bilhões no mesmo período de 2013.
Esse aumento do gasto, porém, é ainda "vendido" como uma atuação anticíclica, convenientemente deixando de lado que, mesmo nos anos bons, em nenhum momento houve sequer tentativa de redução da despesa pública, em particular a despesa corrente, que, a valer o que dizia a ministra-chefe da Casa Civil do governo Lula, "é vida". Só a visão persistentemente assimétrica pode explicar a tentativa de negar o caráter expansionista da política fiscal.
Ao final, a entrevista da presidente é reveladora: se alguém ainda imaginava ser possível uma correção de rota no rumo da política econômica, seu conteúdo deve ter convencido mesmo os otimis- tas mais renitentes a remover o proverbial cavalinho da chuva. Vai sobrar para Chico e também para Francisco.
Um comentário:
Pois é...
Em 2002, iludido por propaganda enganosa, o eleitor brasileiro, em sua maioria, escolheu Lula. Em 2006, confirmou essa escolha e, em 2010, ainda iludido, triplicou a aposta escolhendo Dilma Rousseff.
No entanto, em cada oportunidade, uma avaliação objetiva e rigorosa teria indicado outro caminho. Como esperar um bom resultado quando se entrega o governo de um país tão complexo como o Brasil a pessoas tão despreparadas e inexperientes?
A partir de agora, o que deverá ser corrigido, somado ao que deverá ser criado, exigirá enorme competência e, sobretudo, liderança e honestidade.
Que tal, em 2014, corrigir nosso rumo?
Que tal, dessa vez, escolher um líder comprovado que já demonstrou sua capacidade para enfrentar e superar enormes desafios: externos, internos, políticos e econômicos?
Que tal garantir-lhe uma vitória consagradora que permita dispensar alianças espúrias?
Que tal escolher Fernando Henrique Cardoso e começar, desde já, a trabalhar com afinco para elegê-lo?
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