CORREIO BRAZILIENSE - 31/07
Não entramos no paraíso mas, sem dúvida o purgatório ficou para trás, embora ainda existam pesadas correntes de atraso no país. Sem favor, mas sem derrotismo: assim pode ser lido o resultado do relatório do Pnud, agência da ONU, em parceria com o IPEA e a Fundação João Pinheiro, sobre o IDHM, o Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios, divulgado anteontem. O indicador passou de 0,493, em 1991, muito baixo, para 0,727 em 2010, crescendo 47,8%. Seus números, nesta hora, convidam a uma reflexão sobre o país que temos e o rumo que ele segue.
Na semana passada, conversei com embaixadores de dois países, em contextos distintos. Ambos expressaram imensa dificuldade em compreender a força e a amplitude das manifestações populares contra todos os governos: a economia apresenta problemas pontuais, mas seu desempenho é muito melhor do que a dos países europeus. O sistema político permite distorções na representação, mas as instituições democráticas funcionam a contento, não havendo aqui erupções autoritárias ou crises de legitimidade. E a nódoa da desigualdade, indiscutível, suavizou-se, disseram os dois, alinhavando as explicações que ouvem e lêem aqui e ali, e que acham insuficientes para explicar a ira das ruas, que faz pensar em um país estagnado, econômica, social e politicamente.
A mãe de tudo
O relatório mostra que, há pelo menos 20 anos, o Brasil se move, tornando-se mais desenvolvido e mais justo. O avanço no IDHM não foi uniforme mas, olhando para trás, em 1991, 80% dos municípios - que é onde vive o cidadão, como dizia Ulysses Guimarães - exibiam um índice de desenvolvimento humano baixíssimo. Hoje, um terço deles pode ser considerado de alto desenvolvimento, e essas cidades já não se concentram no Sul-Sudeste - a Bélgíca da velha Belíndia. Vencido o purgatório, restam as correntes do atraso, sobretudo, na educação, área em que o índice é apenas médio, nacionalmente: passou de 0,278, em 1991, para 0,637, em 2010. Apenas cinco municípios alcançaram IDHM/Educação acima de 0,800, ou "muito alto", condição que nenhum estado conquistou. São Paulo e o nosso Distrito Federal, na vanguarda, alcançaram a classificação "alto". Em 90% dos municípios do Norte e do Nordeste, o índice é "baixo" ou "muito baixo". Isso é desigualdade. "Na educação, partimos de um base anterior muito baixa", explica o presidente do Ipea, Marcelo Nery, referindo-se à nossa era das mudanças.
As cobranças são justas, não houve quem negasse. Os jovens, sobretudo, têm pressa, e o Estado não responde com a velocidade necessária. Para eles, tudo que foi feito já não conta, e este é o drama dos que governam. Os protestos não reconhecem feitos, só defeitos. Mas, quando a marcha dos últimos 20 anos, que pode ser lenta mas tem sido contínua, nos é apresentada de forma tão cristalina, vem escrito nas entrelinhas que isso foi produto da democracia. Há 20 anos, o primeiro presidente acabava de ser eleito pelo povo. E, faça-se justiça, o governo de transição de José Sarney, com o Plano Cruzado, já alvejara a desigualdade. A democracia é nosso valor maior e não pode ser posta em risco, mesmo quando a ira é justa. O risco sempre vem quando a ordem e as garantias são rompidas. Pensar nisso, quando ninguém controla o vandalismo, não é catastrofismo.
Ouro de tolo
A polarização PT-PSDB aparece sempre que os avanços são mencionados. O ex-presidente Fernando Henrique, por uma rede social, destacou que, na década em que governou, a de 1990, o IDHM cresceu 24,4%. Na era Lula, cresceu apenas 18,8%. Os petistas reagiram relativizando a conta e mostrando que, na fase FH, a desigualdade caiu apenas 1,89%, ao passo que no período Lula, caiu 9,18%.
Tal disputa pode inflar os egos mas não faz sentido para o povo. Este sabe que Lula avançou mais no social, porque FH golpeou a inflação e organizou a economia. E não teria feito isso sem o apoio de Itamar, substituto de Collor, que abriu a economia, depois de suceder pelo voto a Sarney, condutor da transição na ausência de Tancredo, eleito indiretamente sob o lema Muda Brasil. Isso depois que um Congresso dissociado do povo rejeitou a emenda das Diretas Já. Essa travessia, que os jovens mal conhecem, é que mudou o Brasil e propiciará novas transformações. Não fora dela.
As polícias e os protestos
Até agora, quem mais ganhou com as manifestações foi o Ministério Público, que nelas inseriu a PEC 37, garantindo sua derrubada no Congresso. Agora, alguns políticos acham que as polícias podem estar fazendo política com essa atuação enigmática na repressão ao vandalismo. Em São Paulo, na última noite de pavor, quando 10 agências bancárias foram depredadas, a PM chegou quase duas horas atrasada, dizendo que quis preservar os "pacíficos". No Rio, a polícia guardou o prédio de Sérgio Cabral, mas liberou a Avenida Ataulfo de Paiva para a quebradeira. Os protestos continuam, e os vândalos seguem impunes. Ninguém sabe quem são, o que pretendem, ou a quem respondem. A PM sonha com a aprovação da PEC 300, que equipara os salários de todos os estados aos do Distrito Federal. Na capital federal eles ganham mais e a União paga a conta.
Testando limites
No mundo de Dilma, ninguém se ilude. Com o ato pedindo a saída de Cabral, e o de ontem contra Alckmin, os radicais das ruas estão testando o clima para eventual ato "Fora Dilma".
Na semana passada, conversei com embaixadores de dois países, em contextos distintos. Ambos expressaram imensa dificuldade em compreender a força e a amplitude das manifestações populares contra todos os governos: a economia apresenta problemas pontuais, mas seu desempenho é muito melhor do que a dos países europeus. O sistema político permite distorções na representação, mas as instituições democráticas funcionam a contento, não havendo aqui erupções autoritárias ou crises de legitimidade. E a nódoa da desigualdade, indiscutível, suavizou-se, disseram os dois, alinhavando as explicações que ouvem e lêem aqui e ali, e que acham insuficientes para explicar a ira das ruas, que faz pensar em um país estagnado, econômica, social e politicamente.
A mãe de tudo
O relatório mostra que, há pelo menos 20 anos, o Brasil se move, tornando-se mais desenvolvido e mais justo. O avanço no IDHM não foi uniforme mas, olhando para trás, em 1991, 80% dos municípios - que é onde vive o cidadão, como dizia Ulysses Guimarães - exibiam um índice de desenvolvimento humano baixíssimo. Hoje, um terço deles pode ser considerado de alto desenvolvimento, e essas cidades já não se concentram no Sul-Sudeste - a Bélgíca da velha Belíndia. Vencido o purgatório, restam as correntes do atraso, sobretudo, na educação, área em que o índice é apenas médio, nacionalmente: passou de 0,278, em 1991, para 0,637, em 2010. Apenas cinco municípios alcançaram IDHM/Educação acima de 0,800, ou "muito alto", condição que nenhum estado conquistou. São Paulo e o nosso Distrito Federal, na vanguarda, alcançaram a classificação "alto". Em 90% dos municípios do Norte e do Nordeste, o índice é "baixo" ou "muito baixo". Isso é desigualdade. "Na educação, partimos de um base anterior muito baixa", explica o presidente do Ipea, Marcelo Nery, referindo-se à nossa era das mudanças.
As cobranças são justas, não houve quem negasse. Os jovens, sobretudo, têm pressa, e o Estado não responde com a velocidade necessária. Para eles, tudo que foi feito já não conta, e este é o drama dos que governam. Os protestos não reconhecem feitos, só defeitos. Mas, quando a marcha dos últimos 20 anos, que pode ser lenta mas tem sido contínua, nos é apresentada de forma tão cristalina, vem escrito nas entrelinhas que isso foi produto da democracia. Há 20 anos, o primeiro presidente acabava de ser eleito pelo povo. E, faça-se justiça, o governo de transição de José Sarney, com o Plano Cruzado, já alvejara a desigualdade. A democracia é nosso valor maior e não pode ser posta em risco, mesmo quando a ira é justa. O risco sempre vem quando a ordem e as garantias são rompidas. Pensar nisso, quando ninguém controla o vandalismo, não é catastrofismo.
Ouro de tolo
A polarização PT-PSDB aparece sempre que os avanços são mencionados. O ex-presidente Fernando Henrique, por uma rede social, destacou que, na década em que governou, a de 1990, o IDHM cresceu 24,4%. Na era Lula, cresceu apenas 18,8%. Os petistas reagiram relativizando a conta e mostrando que, na fase FH, a desigualdade caiu apenas 1,89%, ao passo que no período Lula, caiu 9,18%.
Tal disputa pode inflar os egos mas não faz sentido para o povo. Este sabe que Lula avançou mais no social, porque FH golpeou a inflação e organizou a economia. E não teria feito isso sem o apoio de Itamar, substituto de Collor, que abriu a economia, depois de suceder pelo voto a Sarney, condutor da transição na ausência de Tancredo, eleito indiretamente sob o lema Muda Brasil. Isso depois que um Congresso dissociado do povo rejeitou a emenda das Diretas Já. Essa travessia, que os jovens mal conhecem, é que mudou o Brasil e propiciará novas transformações. Não fora dela.
As polícias e os protestos
Até agora, quem mais ganhou com as manifestações foi o Ministério Público, que nelas inseriu a PEC 37, garantindo sua derrubada no Congresso. Agora, alguns políticos acham que as polícias podem estar fazendo política com essa atuação enigmática na repressão ao vandalismo. Em São Paulo, na última noite de pavor, quando 10 agências bancárias foram depredadas, a PM chegou quase duas horas atrasada, dizendo que quis preservar os "pacíficos". No Rio, a polícia guardou o prédio de Sérgio Cabral, mas liberou a Avenida Ataulfo de Paiva para a quebradeira. Os protestos continuam, e os vândalos seguem impunes. Ninguém sabe quem são, o que pretendem, ou a quem respondem. A PM sonha com a aprovação da PEC 300, que equipara os salários de todos os estados aos do Distrito Federal. Na capital federal eles ganham mais e a União paga a conta.
Testando limites
No mundo de Dilma, ninguém se ilude. Com o ato pedindo a saída de Cabral, e o de ontem contra Alckmin, os radicais das ruas estão testando o clima para eventual ato "Fora Dilma".
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