Malparado
O ESTADO DE SÃO PAULO - 13/11/09
Fato número 1: faltam menos de 11 meses para a eleição presidencial. Fato número 2: cerca de 75 dias após terem sido anunciados os projetos de lei do pré-sal, que envolvem decisões de política pública com desdobramentos de enorme importância para o País nas próximas décadas, estão sendo votados a toque de caixa nas comissões da Câmara sob o rolo compressor do governo. Fato número 3: a oposição considera aceitável e natural que seu provável candidato a presidente se permita não assumir posição pública sobre tais projetos.
São fatos contundentes que não deixam dúvida sobre o que vem ocorrendo. Salta aos olhos que a oposição se vê hoje presa a uma estratégia política equivocada, que pode acabar lhe valendo novo e custoso desastre eleitoral em outubro do ano que vem. Não faltam, claro, racionalizações de todo tipo. Alega-se, por exemplo, que, espertamente, a oposição estaria evitando cair na armadilha que lhe preparou o governo para explorar com fins eleitorais a questão do pré-sal. E que, com sorte, essa questão já estará superada quando a campanha presidencial de verdade for afinal deflagrada ano que vem. Cada vez mais lépida e hábil para se esquivar das armadilhas do governo, a oposição parece convencida de que sua recorrente omissão na discussão das grandes questões que interessam ao País só lhe traz benefícios.
Num plano mais geral, o que se argui é que a estratégia eleitoral da oposição estaria ditada pela preocupação de evitar a todo o custo dois erros fatais: entrar em embate aberto com o presidente Lula e levantar a suspeita de que se teria a intenção de reverter mudanças associadas a ele, que o eleitorado supostamente quer manter. A ideia é que, se puder não incorrer nesses dois erros, seu candidato estará preservado para, no momento devido, usufruir da inevitável vantagem que levará quando o eleitorado afinal tentar contrapor seu currículo ao da ministra Dilma Rousseff. O argumento não convence. Presume um discernimento do eleitorado na avaliação de currículos que ele provavelmente não tem. É até possível que o eleitorado possa se mostrar mais perceptivo se a oposição estiver disposta a bater forte para desmistificar a imagem de Dilma que o governo vem tentando vender nos últimos anos. Mas como poderá a oposição fazer isso, se quer a todo o custo evitar ser vista como anti-Lula? É o desafio da quadratura do círculo.
O mais grave, contudo, é que, de omissão em omissão, a oposição vem ficando sem discurso. Nem mesmo nas questões mais triviais tem conseguido consolidar posições que contrastem com as do governo. Um bom exemplo é a admissão da Venezuela no Mercosul. A oposição de fato não contava com os votos necessários para bloquear a aprovação da admissão no Senado. Mas poderia ter fincado o pé e marcado posição, para se diferenciar do governo. Em vez disso, o que fez? Sucumbiu a um reles lobby montado na última hora pelo Planalto e se juntou, em boa parte, ao bloco governista para aprovar a admissão. Nem mesmo com o discurso ficou.
O que é especialmente preocupante é a falta de discurso econômico com que se debate a oposição. Trata-se de uma dificuldade já antiga, que agora se agrava. Não corresponde aos fatos a história de que o PT se apossou de uma cópia pirata do software da política econômica do segundo governo de FHC. É bom relembrar o que ocorreu. Na campanha de 2002, boa parte do PSDB queria a toda força se desfazer desse software. O PT apanhou o disco original no lixo. Usou-o com grande sucesso entre 2003 e 2005. E deixou a oposição sem discurso. Nos últimos anos, contudo, vem ficando cada vez mais claro que agora é o próprio PT que quer se desfazer dele. Mas a oposição não consegue criticá-lo como deveria. Em parte, porque se recusa a dizer o que é preciso, com medo de parecer anti-Lula. Em parte, porque continua perdida.
O governador José Serra voltou a brandir esta semana o mesmo mantra que repete há anos: "O que diminui o crescimento é a política do Banco Central." É bem possível que, mais uma vez, esteja tentado a atravessar a campanha eleitoral com um discurso econômico ralo, que entremeie críticas desse tipo com uma defesa vaga do "ativismo governamental". Se a toada for essa, não será surpreendente se o eleitor acabar achando mais graça no ativismo governamental da ministra Dilma Rousseff.
*Rogério L. Furquim Werneck, economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio.
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