VALOR ECONÔMICO - 13/11/09
A queda de braço entre o presidente Lula e o Tribunal de Contas da União (TCU) e demais órgãos de fiscalização e controle do Estado expõe as duas faces de um mesmo e crônico problema: a retomada do crescimento econômico exige que as obras de infraestrutura andem, avancem. O apagão de terça-feira, ainda que não seja decorrência direta da falta de investimentos no sistema de transmissão de energia, traz à memória o quanto falta realizar nessa área.
Por outro lado, as práticas de sobrepreço, de superfaturamento, de licitação irregular, de roubo mesmo do dinheiro público em cada projeto, em cada obra, é um hábito funesto e disseminado no país. Para que ambos os mandamentos prevaleçam - fazer investimentos e não negligenciar com o dinheiro público - é preciso ir às raízes do problema.
O TCU é uma instância de fiscalização que investiga, analisa e recomenda ao Congresso Nacional a paralisação de obras irregulares. Há 12 anos, por determinação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), faz o relatório das obras e recentemente recomendou ao Congresso a paralisação de 41 delas por indícios de irregularidades.
Ontem, houve a primeira reunião do grupo de trabalho, criado na semana passada a pedido de Lula, no âmbito do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Esse grupo está encarregado de encontrar soluções para superar os obstáculos impostos pelos agentes fiscalizadores do Estado - o TCU, as agências reguladoras e os órgãos ambientais - e cuidar da relação entre os investimentos públicos e mecanismos de fiscalização e controle. O grupo tem até o dia 9 de dezembro para sugerir medidas concretas.
O presidente do TCU, ministro Ubiratan Aguiar, apontou o que poderia ser a primeira proposta desse grupo: a aprovação da lei, prevista na emenda constitucional 19, de 1998, que cria um estatuto jurídico das economias mistas, empresas públicas e suas subsidiárias. Essa lei retiraria todo o sistema Petrobras, o sistema Eletrobrás, os portos, aeroportos e os bancos públicos da alçada da lei 8.666, das licitações.
Com um novo estatuto, as licitações, contratações de obras, serviços, compras e alienações, para as companhias estatais, poderiam ser mais flexíveis em relação à legislação atual. Os críticos da lei 8.666, de 1993, alegam que ela impede as empresas e bancos públicos de serem competitivos, de terem agilidade.
"Nós não fazemos a lei, nós cumprimos a lei. Ela é que regula nossas decisões. Tendo uma legislação sem as amarras da 8.666, que alguns consideram anacrônica, ultrapassada, se tiraria boa parte dos potenciais problemas", disse Aguiar. "Não nos interessa a paralisação de obras. Sabemos que ela traz custos adicionais", afirmou. "Só em 2008 fizemos uma economia para o Tesouro de R$ 32 bilhões com ações preventivas e sancionadoras", prosseguiu o ministro. Recentemente, o TCU expurgou R$ 120 milhões de um contrato aditivo e a construtora responsável ainda assim concluiu a obra, contou.
Muitas vezes o maior problema é a ausência de projeto. " Fizeram as licitações dos aeroportos de Macapá, Vitória e Goiânia, assinaram os contratos e começaram as obras sem ter sequer um projeto executivo. Temos uma infinidade de exemplos (de problemas e irregularidades)", disse.
Ontem, durante a reunião do grupo de trabalho do CDES, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, citou que o TCU "extrapola suas funções" ao interferir na elaboração dos editais de licitação das obras públicas do Poder Executivo. Bernardo salientou, ainda, que o foco dos órgãos de controle não deveria ser apenas nos custos e processos em detrimento dos resultados. Além disso, falou o ministro do Planejamento, "é preciso se estabelecer um prazo para análise. Não é possível um órgão de controle ou de licenciamento levar um ou dois anos para apresentar seu parecer sobre uma obra".
Há inúmeras reclamações quanto aos procedimentos do TCU: de que, depois que vence uma licitação, o TCU interfere para que a empresa ganhadora baixe todos os seus custos para os padrões colocados pelas empresas vencidas; que o tribunal desconsidera variações de preços, por exemplo, do metro quadrado de cimento para a construção de uma rodovia e para uma pista de aeroporto; e que as diferenças de valores, inclusive regionais, acabam sendo tratadas como "indícios de irregularidades". Para o presidente do tribunal, porém, " (aí) não tem gente inocente e muitas vezes isso é jogo de planilha". Ele lembra, ainda, que as empresas que vão fazer obras para o setor público conhecem bem todas a normas, "e não está certo querer alterá-las ou tangenciá-las".
Aguiar atribui essa ofensiva contra o TCU a uma situação "preconceituosa" em relação à composição do tribunal, por sua origem política. "Para ser ministro do tribunal, é preciso ser formado em direito, administração, ou economia, engenharia; tem que ser um técnico e comprovar dez anos de efetivo exercício na profissão; tem que ter idoneidade; improbidade; ser submetido a uma sabatina. Um terço dos ministros é indicação da Câmara e eu vim nele. Em nenhum artigo a Constituição diz que tem que ser um senador. Onde anda a sociedade civil, que não se mobiliza para indicar nomes? A OAB, a Ordem dos Economistas, que tragam seus nomes. Basta um partido indicar."
Curiosamente, em relatório pedido pela ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, o TCU alertou para os riscos de apagão de energia, sob o argumento de que este governo investiu pouco no setor. No relatório, de julho, o tribunal sugeria reforço de pessoal e melhoria de gestão, tanto no Ministério das Minas e Energia quanto na agência reguladora (Aneel) e na Empresa de Pesquisa Energética, para evitar blecautes como o que ocorreu esta semana.
Há muito o que fazer para destravar os investimentos públicos e impedir o roubo dos cofres da União. Mudar a legislação e definir competências, para que os órgãos de fiscalização e controle não extrapolem suas funções, são algumas das ações necessárias. Culpar o mensageiro pela má notícia não é solução.
Por outro lado, as práticas de sobrepreço, de superfaturamento, de licitação irregular, de roubo mesmo do dinheiro público em cada projeto, em cada obra, é um hábito funesto e disseminado no país. Para que ambos os mandamentos prevaleçam - fazer investimentos e não negligenciar com o dinheiro público - é preciso ir às raízes do problema.
O TCU é uma instância de fiscalização que investiga, analisa e recomenda ao Congresso Nacional a paralisação de obras irregulares. Há 12 anos, por determinação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), faz o relatório das obras e recentemente recomendou ao Congresso a paralisação de 41 delas por indícios de irregularidades.
Ontem, houve a primeira reunião do grupo de trabalho, criado na semana passada a pedido de Lula, no âmbito do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Esse grupo está encarregado de encontrar soluções para superar os obstáculos impostos pelos agentes fiscalizadores do Estado - o TCU, as agências reguladoras e os órgãos ambientais - e cuidar da relação entre os investimentos públicos e mecanismos de fiscalização e controle. O grupo tem até o dia 9 de dezembro para sugerir medidas concretas.
O presidente do TCU, ministro Ubiratan Aguiar, apontou o que poderia ser a primeira proposta desse grupo: a aprovação da lei, prevista na emenda constitucional 19, de 1998, que cria um estatuto jurídico das economias mistas, empresas públicas e suas subsidiárias. Essa lei retiraria todo o sistema Petrobras, o sistema Eletrobrás, os portos, aeroportos e os bancos públicos da alçada da lei 8.666, das licitações.
Com um novo estatuto, as licitações, contratações de obras, serviços, compras e alienações, para as companhias estatais, poderiam ser mais flexíveis em relação à legislação atual. Os críticos da lei 8.666, de 1993, alegam que ela impede as empresas e bancos públicos de serem competitivos, de terem agilidade.
"Nós não fazemos a lei, nós cumprimos a lei. Ela é que regula nossas decisões. Tendo uma legislação sem as amarras da 8.666, que alguns consideram anacrônica, ultrapassada, se tiraria boa parte dos potenciais problemas", disse Aguiar. "Não nos interessa a paralisação de obras. Sabemos que ela traz custos adicionais", afirmou. "Só em 2008 fizemos uma economia para o Tesouro de R$ 32 bilhões com ações preventivas e sancionadoras", prosseguiu o ministro. Recentemente, o TCU expurgou R$ 120 milhões de um contrato aditivo e a construtora responsável ainda assim concluiu a obra, contou.
Muitas vezes o maior problema é a ausência de projeto. " Fizeram as licitações dos aeroportos de Macapá, Vitória e Goiânia, assinaram os contratos e começaram as obras sem ter sequer um projeto executivo. Temos uma infinidade de exemplos (de problemas e irregularidades)", disse.
Ontem, durante a reunião do grupo de trabalho do CDES, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, citou que o TCU "extrapola suas funções" ao interferir na elaboração dos editais de licitação das obras públicas do Poder Executivo. Bernardo salientou, ainda, que o foco dos órgãos de controle não deveria ser apenas nos custos e processos em detrimento dos resultados. Além disso, falou o ministro do Planejamento, "é preciso se estabelecer um prazo para análise. Não é possível um órgão de controle ou de licenciamento levar um ou dois anos para apresentar seu parecer sobre uma obra".
Há inúmeras reclamações quanto aos procedimentos do TCU: de que, depois que vence uma licitação, o TCU interfere para que a empresa ganhadora baixe todos os seus custos para os padrões colocados pelas empresas vencidas; que o tribunal desconsidera variações de preços, por exemplo, do metro quadrado de cimento para a construção de uma rodovia e para uma pista de aeroporto; e que as diferenças de valores, inclusive regionais, acabam sendo tratadas como "indícios de irregularidades". Para o presidente do tribunal, porém, " (aí) não tem gente inocente e muitas vezes isso é jogo de planilha". Ele lembra, ainda, que as empresas que vão fazer obras para o setor público conhecem bem todas a normas, "e não está certo querer alterá-las ou tangenciá-las".
Aguiar atribui essa ofensiva contra o TCU a uma situação "preconceituosa" em relação à composição do tribunal, por sua origem política. "Para ser ministro do tribunal, é preciso ser formado em direito, administração, ou economia, engenharia; tem que ser um técnico e comprovar dez anos de efetivo exercício na profissão; tem que ter idoneidade; improbidade; ser submetido a uma sabatina. Um terço dos ministros é indicação da Câmara e eu vim nele. Em nenhum artigo a Constituição diz que tem que ser um senador. Onde anda a sociedade civil, que não se mobiliza para indicar nomes? A OAB, a Ordem dos Economistas, que tragam seus nomes. Basta um partido indicar."
Curiosamente, em relatório pedido pela ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, o TCU alertou para os riscos de apagão de energia, sob o argumento de que este governo investiu pouco no setor. No relatório, de julho, o tribunal sugeria reforço de pessoal e melhoria de gestão, tanto no Ministério das Minas e Energia quanto na agência reguladora (Aneel) e na Empresa de Pesquisa Energética, para evitar blecautes como o que ocorreu esta semana.
Há muito o que fazer para destravar os investimentos públicos e impedir o roubo dos cofres da União. Mudar a legislação e definir competências, para que os órgãos de fiscalização e controle não extrapolem suas funções, são algumas das ações necessárias. Culpar o mensageiro pela má notícia não é solução.
Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação e escreve às sextas-feiras
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