sexta-feira, novembro 13, 2009

NAS ENTRELINHAS

De costas para o campo de jogo


Correio Braziliense - 13/11/2009


Na vida real, a planilha de investimentos do governo federal em energia elétrica não serve para religar a luz quando ela está em falta


Um risco do jornalismo político é a tentação de cobrir e analisar os fatos como se tudo fosse uma partida de futebol. Dois times, em lados opostos, cada qual com sua técnica e tática. Onze contra onze. Um jogo decidido dentro de campo. No futebol, a turma da arquibancada não aparece nas reportagens ou análises sobre a partida, a não ser em situações inusitadas.

Na política é diferente. A prudência manda copiar aqueles policiais que ficam de costas para o espetáculo, só de olho no pessoal atrás do alambrado. O futebol se decide dentro das quatro linhas, inclusive quando o juiz faz das suas. Na política democrática, o resultado final vem do público. Aliás, é assim também na política não tão democrática assim. No Coliseu, o sujeito vivia ou morria conforme o sentido dos polegares da plateia. A regra vale até hoje.

Em Parque dos Dinossauros, o magnata John Hammond (Richard Attenborough) gosta de ressaltar que mandou não economizar no projeto. Tudo ali é top de linha. E no entanto dá errado. Se não desse, aliás, não tinha o filme. A administração Luiz Inácio Lula da Silva respondeu ao colapso do abastecimento de energia elétrica da terça-feira com dados que mostram o grande, segundo o governo, investimento na trasmissão de eletricidade. E daí? Como em Parque dos Dinossauros, o projeto pode ser uma beleza, o dinheiro pode ter sido muito e as intenções, as melhores. Mas, e se deu errado?

Com os dados à mão até agora, seria irresponsável acusar o governo de negligência. Até porque a última coisa de que Lula e a candidata dele à Presidência, Dilma Rousseff, precisavam era um apagão como o da terça-feira. Mas na vida real do sujeito sentado na arquibancada a planilha de investimentos e os organogramas de gestão do governo federal no setor de energia elétrica não servem para ligar a luz quando ela falta.

Imagine que você tem um problema com o celular e liga para a operadora. Em vez de ser atendido por alguém que possa resolver a falha, você é direcionado para um atendente que passa a listar os investimentos da companhia em infraestrutura, as medidas projetadas para garantir um sinal perene e de boa qualidade. Enquanto isso, seu celular continua sem sinal.

O governo diz que faltou luz na terça-feira por causa de chuvas, ventos e raios. Como essas três coisas vão continuar a existir até o fim dos tempos, será razoável que as autoridades digam, então, como fazer para que os próximos relâmpagos, ventanias e precipitações pluviométricas não derrubem de novo o abastecimento. Se essa for mesmo a razão. É preciso, antes de tudo, saber se os especialistas que contestam a versão do governo estão errados. E só quem pode provar isso é o próprio governo.

O presidente da República tem repisado em seus discursos a crença de que os impasses econômicos planetários vieram reforçar a necessidade de empresas estatais fortes e de uma presença ativa do Estado na economia. Mas, se o Estado quer cumprir um papel importante na prestação de serviços, ele precisa comportar-se como um prestador eficiente. Do contrário, apenas reforçará a tese de que o estatismo serve aos ocupantes do Estado bem mais do que à sociedade.

Desmatamento
Ansioso por uma agenda positiva, o governo festeja a queda do desmatamento. Como ela se deve principalmente à violenta retração da atividade econômica, haveria também motivo para lamentar o belo índice. O tira-teima vai ser quando a economia entrar num ritmo mais acelerado.

Gesto calculado
As palavras estimulantes da direção do PSDB nos últimos dias em direção ao governador Aécio Neves resultam, também, da constatação de que há uma chance real de a divisão tucana de 2002 e 2006 repetir-se agora. É tudo o que o PSDB quer evitar.

Aposentados
O governo pressiona a base para que o reajuste dos aposentados não seja votado pela Câmara dos Deputados. Em troca, Lula emitiria duas medidas provisórias, uma para quem ganha benefício de até um salário mínimo e a outra para os demais. Estes, naturalmente, teriam um aumento menor que aqueles. Lula não quer o desgaste de vetar o reajuste em linha das aposentadorias pela variação do mínimo. E sabe que se o assunto for a voto a chance de derrota é grande. Mas o presidente já foi avisado de que eventuais medidas provisórias também serão emendadas, e que dificilmente haverá como escapar do veto.

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