A má aula da London School of Economics
ELIO GASPARI
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/03/11
A escola inglesa recebeu um capilé de Gaddafi e, com tantos professores, levou uma lição da Maison Dior
QUAL A DIFERENÇA entre a Maison Dior e a London School of Economics? Uma delas mostrou que é rápida e séria. Ambas são casas de grife. Uma ensina os povos a se vestir. A outra ensina as nações a gerir suas economias. Depois da Segunda Guerra, Dior mandou as mulheres vestirem saias longas, rodadas, e assim elas fizeram, da duquesa de Windsor a Evita Perón.
Com 16 prêmios Nobel no currículo, a London School of Economics era a casa de Friedrich Hayek quando ele escreveu "O Caminho da Servidão" ensinando que o planejamento central da economia levava os países à ditadura e à ruína. Infelizmente, não o ouviram logo. Passaram pela LSE John Kennedy, José Guilherme Merquior e o atual presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos. FHC ganhou um título de doutor honoris causa e Mick Jagger, matriculado, caiu fora.
Nas últimas semanas, tanto a Maison Dior como a LSE foram confrontadas com maus passos. O estilista John Galliano (uma espécie de Tiririca da alta-costura), deu-se a comentários antissemitas e, em duas semanas, foi suspenso e posto na rua. Já a LSE teve que explicar por que deu um titulo de doutorado a Saif al Islam, o filho querido de Muammar Gaddafi, e levou dois anos para comprovar que ele praticara pelo menos 17 plágios.
Em 2009, depois de ter diplomado o moço, a LSE aceitou uma promessa de US$ 2,45 milhões feita por Gaddafi e Saif deu à escola mais US$ 488 mil. Se isso fosse pouco, o professor David Held, orientador do herdeiro, fez uma viagem à Líbia às custas de um programa do papai.
O diretor da LSE, Sir Howard Davies, amealhou US$ 50 mil assessorando o fundo soberano líbio. Levou o capilé em 2007, mas se esqueceu de contar. Na sexta-feira, apanhado, pediu demissão, dizendo que "foi um erro". Erro nada, foi cobiça colonial.
A LSE anunciou que devolveria o dinheiro líbio. Demitir gente como a Maison Dior fez com Galliano, nem pensar. Investigar os critérios que a escola usa para receber doações, muito menos. Fez-se tudo à moda dos clubes. Gaddafi sempre foi Gaddafi, a LSE é que não era exatamente o que se pensava.
Quando a poeira da Líbia assentar, talvez se comece a discutir as relações incestuosas entre universidades, centros de pesquisa e órgão de imprensa com ditadores. Príncipes sauditas espargem dinheiro em instituições americanas como se fossem tâmaras.
O Cazaquistão abarrota publicações respeitáveis com parolagens autocongratulatórias que elas classificam como "informes especiais". Isso para não se falar nos seminários de fancaria frequentemente montados nas capitais do circuito Elizabeth Arden. Se cada seminário desses anunciar quanto custa cada sábio-palestrante, lances como o da LSE dificilmente se repetirão.
A sabedoria convencional ensina que na Jordânia e na Síria funcionam governos policiais e corruptos. Está entendido que o rei Abdula 2º e o presidente Assad são ditadores, mas suas mulheres parecem Cinderelas de um novo tempo. A rainha Rania é ambientalista e tuiteira, com MBA pela Universidade Americana do Cairo, passagens pelo Citibank e pela Apple. É amiga de Nicole Kidman e da infalível Naomi Campbell. Festejou seus 40 anos com 600 convidados globais. Eles brindaram no deserto, pisando em areias umedecidas por jorros de pipas d'água.
Na Síria reina Asma, mulher do presidente Assad. Estudou no King's College de Londres e passou pelo fundo de derivativos do Deutsche Bank e pelo JP Morgan.
Ela se dedica a amparar o desenvolvimento rural. É o rosto cosmopolita do governo. Seu marido tem outros interesses: com tecnologia pirata paquistanesa e assistência da Coreia do Norte, montava um reator nuclear que produziria plutônio, e, com ele, umas bombinhas. Em setembro de 2007, a aviação israelense detonou-o.
Os ditadores de todo o mundo sabem que universidades ilustres e empresários endinheirados gostam de polir celebridades. O filho de Gaddafi só se tornou um quindim azedo para a London School of Economics porque ela aceitou seu dinheiro na época errada. Seus doutores precisam de uma consultoria da Maison Dior.
MEMÓRIA
O Itamaraty diz que foi surpreendido porque Muammar Gaddafi listou o Brasil entre os eternos amigos da sua Líbia. Gaddafi pode ser louco, mas devia ter motivos para achar que a diplomacia brasileira estava ao seu lado.
Noves fora ter sido chamado por Lula de "amigo, irmão e líder", Gaddafi deve saber do que Nosso Guia estava falando quando afirmou o seguinte, em dezembro de 2003: "Quero dizer ao presidente Gaddafi que, ao longo dessa trajetória política, assumi muitos compromissos políticos. Fizemos alguns adversários e muitos amigos. Hoje, como presidente da República do Brasil, jamais esqueci os amigos que eram meus amigos quando eu ainda não era presidente da República".
Do que Lula não esqueceu, e hoje ninguém quer lembrar, só ele e Gaddafi sabem.
O SONHO DA PRAIA
Se e quando o companheiro Obama vier ao Brasil, ele gostaria de passar alguns momentos numa praia do Rio. Tarefa aparentemente fácil, exigirá atenção do Itamaraty, pois em 2004 o presidente russo Vladimir Putin tinha o mesmo interesse e, enfurecido, perdeu o programa.
Ele foi retido por Nosso Guia no Planalto, chegou ao almoço no Itamaraty com duas horas de atraso, comeu batatas fritas frias e só desceu no Rio à noitinha.
Putin, como muitos turistas russos, queria realizar o sonho do personagem do romance satírico "As 12 Cadeiras" obcecado por uma caminhada pela praia do Rio, todo vestido de branco.
Bender foi retido pelo regime soviético. Putin, pela etiqueta retardatária de Nosso Guia.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e o companheiro Cândido Vaccarezza, líder do governo na Câmara, é medico, mas acha que entende de economia.
Rebatendo o argumento demófobo segundo o qual a patuleia gasta a ajuda do Bolsa Família comprando cachaça, ele disse que "mesmo que uma família compre uma cachaça por mês, são 11 ou 12 milhões de garrafas de cachaça. Isso ajuda toda a economia"."
O idiota sabe que Vaccarezza não bebeu antes de dizer isso e acredita que pode colaborar com o Carnaval do doutor, repassando-lhe a letra de uma marchinha dos anos 50:
"Você pensa que cachaça é água?
Cachaça não é água, não.
Cachaça vem do alambique
E água vem do ribeirão.
Pode me faltar tudo na vida:
Arroz, feijão e pão.
Pode me faltar manteiga
E tudo mais não faz falta, não.
Pode me faltar o amor
Isso até acho graça.
Só não quero que me falte
A danada da cachaça""
REPRISE
Se os fuzileiros americanos desembarcarem na Líbia, estarão revivendo uma ação militar lembrada todas as vezes em que é cantado o hino dos "marines". Sua letra começa louvando os soldados que ocuparam "dos salões de Montezuma às praias de Trípoli".
Em 1801, o presidente Thomas Jefferson atacou a Líbia, enfrentando os piratas que infestavam o sul do Mediterrâneo. Pela primeira vez, a bandeira americana foi hasteada no estrangeiro. O trecho do hino incomoda até hoje os nacionalistas árabes e mexicanos, por conta da referência à tomada de sua capital, em 1847.
Nenhum comentário:
Postar um comentário