O ESTADÃO - 03/02
A maioria das pessoas no Brasil não está nem aí para os partidos, corrobora o que se constata a olho nu uma pesquisa recente encomendada por O Estado de S. Paulo ao Ibope.
Partindo do princípio de que os partidos, descontados os períodos eleitorais, não estão nem aí para as pessoas, um índice até surpreendentemente baixo: 56% não têm preferência partidária, contra 44% que ainda nutrem alguma simpatia por essa ou aquela legenda.
Aqui entra a segunda pesquisa que de certa forma tangencia questão assemelhada: uma consulta, publicada pelo jornal Valor Econômico, feita pelo instituto Barômetro das Américas em 18 países sul-americanos sobre o interesse da população no embate de ideias políticas.Quando da redemocratização, a situação era inversa: 61% declaravam identificação com algum partido e 38% eram indiferentes. Culpa da democracia? Não, esta fez a sua parte, culpa de quem não sabe direito o que fazer com ela. E que não se responsabilizem apenas os políticos nem se exima o chamado povo.
Os números revelam uma redução acentuada na disposição de ouvir o que tem a dizer a oposição sobre os governos dos respectivos países – 50,9 pontos contra o índice mais baixo até então registrado, de 52,3, em 2008. Ou seja, cresce a intolerância à discórdia. A maioria não gosta de críticas, não valoriza o pluralismo de opiniões e, portanto, considera a liberdade de expressão um fator secundário.
Campo fértil para governos que alimentam campanhas contra os meios de comunicação e instituições independentes. Ou, como acreditam analistas do Barômetro, consequência da ação desses mesmos governos que fomentam a intolerância a qualquer tipo de crítica.
Não por acaso o grau de aceitação do exercício do contraditório é mais baixo em países como Venezuela (queda de 66,5 para 54,2 nos últimos cinco anos), Equador (43,4) e Honduras (36,6).
Na Argentina, país de opinião pública forte, o índice ainda é razoavelmente alto (58,6), mas houve um recuo de 8,8 pontos desde a ascensão de Cristina Kirchner, refratária assumida a discordâncias.
A boa notícia é que o Brasil está na antepenúltima colocação na escala da intolerância com o exercício da oposição (57 pontos), ainda que se enquadre entre os países cujos governos consideram que a atividade democrática se resume a vitórias eleitorais.
Podemos facilmente nos reconhecer na explicação que o professor da faculdade latino-americana de Ciências Sociais, Simón Pachano, deu sobre o aumento da intolerância à oposição no Equador de Rafael Corrêa.
“O conceito de democracia se reduz ao triunfo nas eleições. Não está presente aí o enorme componente liberal da democracia contemporânea que garante a discrepância, sustenta o pluralismo, permite o desempenho da oposição e torna possível a alternância”, diz ele.
E acrescenta: “Isso nos leva a que aspectos positivos desse governo passem a um segundo plano em razão de uma clara deterioração da convivência democrática”.
Degradação que se expressa na interpretação do eleito de que a delegação popular o desobriga de respeitar o arsenal democrático citado acima pelo professor e o autoriza a induzir as pessoas a confundir crítica com falta de apreço à pátria.
Lição do abismo
Experiente ator e arguto crítico da cena política, Luiz Carlos Santos, que morreu quinta-feira aos 80 anos, quando ministro encarregado da articulação política de Fernando Henrique Cardoso dizia em meio à euforia da aprovação da emenda da reeleição: “Tudo dá certo até que começa a dar errado”.
Ali começava o desgaste político que acompanhou todo o segundo mandato de FH e resultou na vitória do PT.
A observação vale hoje para exorbitâncias de toda sorte que se cometem sob a interpretação equivocada de que ao poder tudo é eternamente permitido.
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