Às vezes, a política precisa descobrir o óbvio: como o fato de que as pirâmides só se sustentam quando a base serve de apoio. No Brasil, acostumamo-nos tanto com as pirâmides invertidas que ainda nos surpreendemos com as crises que ocorrem por causa desse desequilíbrio.
Nossa economia começou, no século XVI, voltada para o topo da pirâmide social da Europa, vendendo-lhe o açúcar produzido por escravos, que constituíam a base ignorada. Nossa industrialização teve a indústria automobilística como o carro-chefe de uma economia baseada na demanda oriunda das camadas de alta renda. Nos anos 60 e 70, enquanto a base da pirâmide continuava sem acesso aos bens essenciais, a economia exigiu a concentração da renda para criar a demanda necessária para os produtos industriais caros. Essa demanda só foi possível concentrando a renda no topo do conjunto da população. Nossa indústria sempre se voltou para o topo.
Mesmo assim, embora a concentração tivesse chegado ao recorde mundial e atingido níveis de vergonhosa brutalidade e barbaridade, a demanda continuava menor do que a produção. Para continuar vendendo os produtos caros, a saída foi facilitar o crédito: adiar o pagamento como possibilidade de vender produtos caros às classes médias. Começamos a fazer empréstimos para comprar produtos mais caros do que nosso dinheiro - no bolso ou no banco - permitiria.
Com o crédito fácil, empurramos ilusoriamente as classes médias para o topo da pirâmide, antes mesmo de atender às necessidades da base da pirâmide social. Em vez de água, esgoto, escola e saúde; palácios, aeroportos e automóveis. Em vez de esperar o aumento da renda e da poupança, optamos pelo endividamento, sacrificando os gastos com o consumo da base para permitir o consumo de luxo.
O único resultado possível seria a crise financeira, já que para aumentar a venda de produtos caros às famílias de renda média, os bancos emprestam mais do que seu capital e seus depósitos permitem. Para atender à demanda do topo, a base financeira ficou instável.
Agora, diante do desequilíbrio da pirâmide invertida, o Brasil opta por injetar R$8 bilhões para continuar financiando o topo, a venda de automóveis. Preferimos continuar financiando o transporte privado do topo do que investir no transporte público que atende à base. Mais uma vez, optamos pelo topo, ninguém propõe investir em obras para garantir água, esgoto e habitação para a base, muito menos educação. Qualquer proposta nessa direção provoca a pergunta "de onde virá o dinheiro?" Mas, para o topo, o dinheiro sempre aparece, sem perguntas sobre sua origem, sem considerações sobre a falta que ele fará em outros setores.
Sem investimentos na base da pirâmide social, o Brasil continuará em desequilíbrio: violência urbana, concentração de renda, saúde degradada, educação sem qualidade. Mesmo a educação é um exemplo do desequilíbrio da pirâmide invertida. O Brasil dá mais ênfase ao topo, o ensino superior, do que à base, o ensino fundamental. O resultado é outra manifestação de instabilidade: a qualidade do ensino superior vem sendo puxada para baixo por causa da má qualidade do ensino médio; e este também vem perdendo qualidade por causa da piora no ensino fundamental.
Ninguém vê o óbvio: a pirâmide está invertida. A maior prova disso é o abandono da primeira infância. É nela que o Brasil começa, e seu abandono é a maior das ameaças à pirâmide invertida que caracteriza nosso país. Como disse muitas vezes Heloísa Helena, quando senadora, bastaria adotar uma única geração de brasileiros, desde o seu primeiro ano de vida. Essa geração, mais tarde, adotaria o Brasil. Para isso, seriam necessários poucos bilhões por ano. Mas todos perguntam de onde viria esse dinheiro. Porque ele seria usado nas bases das pirâmides etária e social, com crianças e pobres.
Talvez a crise atual - do derretimento de bancos e geleiras - permita que o Brasil desperte para o óbvio e encontre a saída para um novo crescimento: pela base social e com equilíbrio ecológico.
CRISTOVAM BUARQUE é senador (PDT-DF). |
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