sexta-feira, maio 18, 2012

Uma ficção: Ele, o corrupto - ALEXANDRE VIDAL PORTO

Folha de S. Paulo - 18/05


Ele se sentou ao meu lado no balcão de um bar de hotel em Brasília. Antes de acabar seu uísque, sempre olhando para frente, iniciou um monólogo, que não sei se dirigia a mim ou a si próprio:

"Antes de ser corrupto, eu era idealista. Queria melhorar o mundo. Na minha primeira eleição, para a presidência do centro acadêmico da faculdade, eu fazia promessas achando que iria cumpri-las.

Agora, 50 anos depois, vejo que me tornei corrupto por necessidade. Necessidade de financiar minhas campanhas eleitorais. Se não precisasse de dinheiro, teria me mantido íntegro. Poderia, quem sabe, ter ajudado a melhorar, se não o mundo todo, pelo menos um pouco do Brasil.

Minha campanha a vereador foi paga com a contribuição de amigos e com recursos próprios. Consegui me eleger, mas tive de vender meu carro e uma casa herdada de minha mãe. A partir dessa eleição, encontrar quem financiasse minhas campanhas se tornou a prioridade de minha carreira política.

Sem o apoio de empresas, nunca teria tido três mandatos de deputado federal. Nem teria me elegido prefeito. Uma campanha bem sucedida à prefeitura de uma capital média não sai por menos de R$ 25 milhões.

Parece brincadeira, mas é isso mesmo. Tem publicidade, tem TV, tem marqueteiro, tem impressos, tem brindes, tem diretório de campanha. Você sabe quantos carros circulando pela cidade são necessários? Quantos litros de combustível? Não tem partido nem candidato que consiga financiar tudo isso sozinho.

No Brasil, campanha eleitoral é coisa para pessoa jurídica.

Eleger candidatos virou negócio. A legislação eleitoral permite que empresas financiem candidatos às eleições. Não tem nada de ilegal nisso. Mas pensem comigo: pela lógica dos empresários, financiar campanha é investimento. Tem de dar lucro. Se não der, é como rasgar dinheiro. Alguém já viu empresário rasgar dinheiro? Eu não.

Tem muita gente no Congresso e no Executivo com campanha financiada majoritariamente por empresas. Aí o sujeito fica comprometido. Têm de usar o mandato público para defender interesses privados. O pessoal esquece que foi eleito para representar o povo, não o lobista.

Por outro lado, se o candidato eleito não tratar bem as empresas, elas não ajudam na campanha seguinte. Sem dinheiro, não tem reeleição. Aí o cara está fora, morreu para a política. Quem é que quer isso? Foi esse o meu drama. O sistema é perverso. Ninguém dá dinheiro de graça. Só pai e mãe. Às vezes.

O pessoal fala em reforma política. Se você perguntar no Congresso, todo mundo vai dizer que é a favor de transparência no financiamento das campanhas. Então me diz por que essa reforma não passa?

Eu digo: porque só quem quer transparência é quem não foi eleito. O pessoal que se elegeu vai querer transparência para quê? Para revelar os acertos que fez com quem financiou a sua campanha?

Alguém vai ter mesmo de fazer a obra. Alguém vai ter de prestar o serviço para o governo. Se houver aparência de legalidade, se a papelada estiver toda certinha, é melhor contratar quem nos ajudou. Fica todo mundo satisfeito. As empresas garantem os contratos. Os políticos garantem a reeleição. Quer melhor?

O povo me elegeu para representá-lo, mas o que eu fiz foi corrupção. Agora, no final da vida, já fora da política, defendo o financiamento público das campanhas com contribuições de pessoas físicas.

Tem quem diga que estouraria o orçamento federal. Para mim, isso é balela. Era só abandonar a mania de grandeza e fazer campanhas mais modestas. Para que showmício?

Outros acham que haveria uma profusão de partidos, todos querendo apresentar candidatos. Eu me pergunto: qual é o problema? Existe algo errado em querer se candidatar?

Não é que tenha virado moralista, mas se, no Brasil, o sistema de financiamento fosse público, como em outros países, acho não teria precisado me corromper. Poderia ter preservado meu idealismo, poderia ter sido um político melhor."

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