CORREIO BRAZILIENSE - 15/02
O que fez o plenário da Câmara dos Deputados na noite de quarta-feira foi muito mais do que cassar o mandato de deputado que atropelou o decoro parlamentar. A votação foi histórica, não apenas por representar passo importante na direção oposta ao fosso que a Casa tem cavado entre a sociedade e seus representantes, mas por marcar a estreia do voto aberto para esse tipo de processo.
Uma ideia do que isso representa para o avanço da democracia entre nós foi dada pelos números estampados no painel de votação. O deputado Natan Donadon (sem partido-RO), condenado pelo Supremo tribunal Federal (STF) a 13 anos de cadeia e recolhido à penitenciária da Papuda, já havia entrado para a história da vergonha brasileira ao se tornar o primeiro parlamentar condenado pela mais alta Corte nacional. Pior: o primeiro deputado presidiário do país.
Ele foi condenado por ter desviado R$ 8 milhões da Assembleia Legislativa de seu estado, quando era seu presidente. Mas nada disso moveu a consciência da maioria dos deputados que, em agosto, ao votar proposta de cassação do mandato de Donadon, decidiu mantê-lo no cargo. Eles não resistiram à tentação corporativista e, no escurinho do voto secreto, atiraram contra o bom senso: 233 votaram pela cassação, mas 131 foram contra, 41 se abstiveram e 131 usaram o recurso covarde da ausência.
Custou caro. A indignação foi geral. O presidente Henrique Eduardo Alves reconheceu que a Câmara tinha sido ferida na reputação já bastante abalada. Graças à campanha movida pelo Correio e pressionado pela imprensa, tomou a iniciativa de acelerar a votação de proposta de emenda constitucional que se arrastava havia 12 anos, acabando com o voto secreto para cassação de mandatos. A Câmara abriu novo processo contra Donadon. O painel, dessa vez, mostrou realidade muito diferente: 467 deputados votaram pela cassação.
É certo que a Câmara, acostumada a perder, ganhou pontos. Mas o mérito da inédita transparência nas votações no Legislativo inaugurada nesta semana não deixou de revelar também uma constrangedora fragilidade nos propósitos e no caráter da maioria dos representantes do povo. Afinal, não foi apenas rápida a mudança de opinião. Foi escandalosa a diferença apurada, o que sugere ao eleitor mais cuidado com quem vai mandar de volta a Brasília.
Além disso, o resultado reforça a tese de que o Senado precisa rever os freios que colocou na aprovação da PEC, mantendo o voto secreto para a indicação de autoridades como ministros do Supremo tribunal Federal e procurador-geral da República. A emblemática cassação de Donadon deve ter ensinado a todos que o primeiro compromisso do parlamentar é com um personagem que, felizmente, vem ganhando força na democracia brasileira: o eleitor.
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