FOLHA DE SP - 15/02
RIO DE JANEIRO - Minha velha amiga Margarida Sarda detestava Shirley Temple. Sua mãe a penteava como Shirley Temple --fazia-lhe todo dia os 56 cachinhos dourados de Shirley Temple. Metia-a em casaquinhos, saiotes e marinheiras de Shirley Temple. Calçava-lhe as meias curtinhas ou três quartos de Shirley Temple. E a inundava de bonecas, brinquedos e adereços de Shirley Temple. Só não lhe aplicou as covinhas de Shirley Temple. Em represália, Margarida passou a infância dedicando-se a não ser Shirley Temple. Conseguiu.
Por causa de Shirley Temple, todas as mães do mundo exigiam o impossível de suas filhas. A própria Shirley também só foi Shirley Temple enquanto não teve escolha. Dos quatro aos 12 anos, ela foi um produto de sua mãe, Gertrude --e de si própria, porque ninguém a ensinou a representar. Aos seis, já sabia fazer tudo que a venerada Ethel Barrymore levara 60 para aprender.
Seus filmes, a uma média de quatro por ano, entre 1934 e 1939, rendiam milhões e podiam ser intoleráveis, mas ela não era. Na verdade, era quase impossível não admirá-la. E o quase vai por causa de Graham Greene, então crítico, para quem Shirley só podia agradar a gagás pedófilos. Não é verdade. Confira em "Dada em Penhor" (1934), "A Mascote do Regimento" (1935), "A Queridinha do Vovô" (dirigido por John Ford) e "Heidi" (1937) e "Sonho de Moça" (1938).
Aos 12 anos, em 1940, foi abandonada pelo público. Gertrude tirou-a do cinema e a botou para estudar. Shirley suspirou aliviada e nunca fez muita força para voltar ao estrelato. Tocou sua vida e, no futuro, sem ser da "carrière", tornou-se embaixadora dos EUA em Gana e na então Tchecoslováquia, em épocas conturbadas desses países. Shirley Temple finalmente chegara à idade adulta.
Mas bastou-lhe morrer, na segunda-feira, aos 85 anos, para ser devolvida aos cachinhos.
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