O Estado de S.Paulo - 15/02
Inicialmente, é preciso clareza conceitual: desenvolvimento rural é uma política de Estado destinada a induzir amplas transformações sociais e econômicas nos ambientes rurais, numa direção desejável. Desenha o futuro. Por isso mesmo supõe, logicamente, um prévio entendimento sobre o histórico dessas regiões num dado período, pois moldar o futuro exige o passado interpretado (na literatura científica, são as análises sobre o desenvolvimento agrário). Como toda política, requer formulação estratégica, prevendo seu monitoramento e avaliação durante o ciclo de ocorrência, e inclui os setores rurais não agrícolas. Outras expressões próximas são modismos inconsequentes, como desenvolvimento territorial ou desenvolvimento local. Há também o famoso desenvolvimento sustentável, cujo significado exato permanece obscuro, quase três décadas depois de ter sido lançado com estardalhaço.
No Brasil nunca tivemos uma política de desenvolvimento rural. Portanto, a pergunta: precisamos da iniciativa? Será justificado o esforço para promovê-lo? São duas as vias de desenvolvimento rural que podem ser descortinadas. Um "caminho europeu", no qual as regiões rurais manterão alguma densidade social e produtiva, associadas à teia de cidades pequenas e médias espalhadas pelo território; a agropecuária interromperá a sua atual marcha de concentração da produção e, gradualmente, até mesmo a posse da terra também se desconcentrará, mas somente por herança, pois fica mantido o anúncio da "morte da reforma agrária" (por falta de demanda social). Aqui, o objetivo principal seria fortalecer o "esteio do mundo rural" - uma classe média em propriedades modernizadas. O outro caminho é a "via argentina", com o gradual esvaziamento do campo, a supremacia da agricultura de larga escala e o empilhamento da população migrante em poucas, mas grandes regiões metropolitanas (na Argentina incha somente a Grande Buenos Aires).
Se o primeiro cenário é o almejado, será preciso elaborar uma política de desenvolvimento rural radicalmente inovadora. Já para tornar permanente a "argentinização do campo brasileiro" basta manter o que atualmente vem sendo feito - a perversa combinação de uma retórica falsamente social com os processos econômicos em curso, que estão varrendo do campo os produtores de menor porte e, assim, concentrando intensamente a produção agropecuária.
Se o interesse recair na primeira via, que nos permitiria sonhar com o vasto interior povoado significativamente, além de manter uma tessitura econômica e comercial com alta capilaridade geográfica, medidas corajosas serão requeridas. Arrolo algumas dessas ações mais imediatas.
A primeira é de cristalina urgência: extinguir de imediato os dois ministérios da área, eliminando o atual, mas nefasto, hibridismo ministerial. Nasceria então o unificado Ministério do Desenvolvimento Rural (MDR), cuja missão principal seria concretizar no campo a via aqui chamada de europeia.
Os atuais ministérios se esgotaram, afundados, um deles (o da Agricultura) em trajetória de abissal irrelevância, além de maltratar áreas cruciais, como a fiscalização que garante a sanidade alimentar, ou ainda deixando escapar a política agrícola, capturada pelo Ministério da Fazenda. O outro ministério (o do Desenvolvimento Agrário) é fonte de absurdas e delirantes mistificações sobre o rural - e no qual transbordam cargos comissionados a perder de vista. São dois ministérios com a marca de ferro do fracasso institucional e de larga ineficácia operacional. É preciso interromper esse leviano teatro perpetrado com a gigantesca sangria dos fundos da sociedade e ousar em direção mais promissora.
Nascido o MDR, seriam reformulados seus setores, eliminando-se a maior parte das inoperantes secretarias antes existentes. Implantar-se-ia, então, um verdadeiro (e efetivamente democrático) processo de elaboração de uma política de desenvolvimento rural, capaz de criar prosperidade econômica e ativar as capacidades regionais e o protagonismo dos grupos sociais organizados da "sociedade do interior". Seria também preciso coragem para romper com o peso do atraso, extirpando os órgãos em estado terminal, como o Incra, que deveria ser imediatamente extinto (ou transformado numa autarquia destinada a regularizar as terras e emancipar os assentamentos rurais). O foco primordial da nova política seria garantir a ampliação das chances econômicas da agropecuária brasileira, especialmente no tocante aos pequenos produtores. Parece espantoso, mas nos dois ministérios o que menos se discute é a lucratividade da agricultura, como se lucro fosse palavra dos demônios.
Estabelecido o novo ente ministerial e a decisão de promover uma política de rejuvenescimento social e econômico do campo, quatro outras metas cruciais são urgentes: garantir acesso à melhor tecnologia existente aos milhões de produtores hoje desassistidos, mas sem repetir a mesmice corporativista do passado; renovar a pesquisa agrícola e suas instituições, reposicionando suas agendas ainda ancoradas no passado; estimular a solidez decisória das cadeias produtivas, estabelecendo uma nova governança que amplie as chances de inovação; e, finalmente, assegurar bases financeiras robustas para o funcionamento desse setor, adequadas ao país que logo será o maior produtor mundial de alimentos.
Esse seria um esforço capaz de manter como prósperos e eficientes produtores a maior parte das famílias, em especial as moradoras nos estabelecimentos rurais de menor porte econômico, agricultores que hoje lutam desesperadamente para manter seus negócios e atividades nas regiões do interior. Algum presidenciável terá a coragem de discutir este esboço de uma nova política de desenvolvimento rural para o Brasil, assumindo um incontornável compromisso com o futuro?
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