Faltam trilhos
FOLHA DE SÃO PAULO
Se por um lado já está definido aonde o Brasil pode e quer chegar -ao topo da liderança mundial-, resta saber como iremos até lá
APÓS PASSAR incólume pela crise financeira internacional, o Brasil é apontado pela unanimidade dos analistas como um dos principais líderes na retomada do crescimento da economia mundial.
Internamente, a previsão é de que o PIB volte a crescer em ritmo superior a 5% ao ano, mantendo o processo de redução da pobreza e inclusão de milhões de pessoas nos mercados de trabalho e de consumo. Por essas conquistas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não apenas desfruta de índices inéditos de popularidade entre os brasileiros como também recebe prêmios e homenagens internacionais. Todo o prestígio acumulado pelo país contribuiu para que se destacasse no âmbito dos Brics e do G20 e ainda fosse escolhido como sede da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016.
Em contraste com esse cenário idílico, porém, somos surpreendidos por imagens na televisão que por vezes parecem nos mostrar que "o Haiti é aqui", como diz a canção de Caetano Veloso. São famílias inteiras soterradas sob os desmoronamentos causados pelas chuvas do verão, enquanto outras carregam, com água pela cintura, eletrodomésticos comprados à prestação e ainda não pagos, em desesperada tentativa de salvar das enchentes um patrimônio que é pequeno, mas fruto de tanto esforço.
Longe de serem obras do acaso, essas e outras ocorrências -como o blecaute que escureceu vários Estados no ano passado, os constantes atrasos aéreos, as estradas esburacadas, as ferrovias sucateadas e os portos saturados- são heranças de décadas de falta de planejamento, execução e manutenção da infraestrutura urbana, energética e de transportes.
Vez por outra, quando há uma tragédia que apenas evidencia o descalabro, como os grandes desastres aéreos, as autoridades vêm a público anunciar que vão fazer e acontecer para organizar o setor. Passa o tempo, a imprensa esquece o assunto e os passageiros continuam martirizados em bancos estreitos no interior das aeronaves e fora delas, nos poucos e defasados aeroportos que não conseguem atender com qualidade um movimento sempre crescente.
Já na década de 1940, o previdente líder empresarial Roberto Simonsen advertia que nenhum país cresce e aparece sem uma base que dê sustentação à sua produção e ao seu comércio externo. Dos gargalos que ele identificava -fornecimento de energia elétrica, organização dos transportes, mobilização de várias fontes de combustíveis e criação de uma indústria de base-, só os dois últimos foram razoavelmente desobstruídos ao longo de mais de sete décadas.
Na questão dos transportes, tanto urbano como de carga, estamos na situação oposta a que se encontrava o governo de Washington Luís (1926-1930), para quem "governar era abrir estradas".
Naquela época, o país inteiro tinha menos de 100 mil automóveis. Hoje, com nossas cidades e estradas congestionadas pelo transporte sobre pneus, poderíamos dizer que governar é assentar trilhos, sejam de metrô, de trens metropolitanos ou de carga.
Porém, enquanto ferrovias como a Norte-Sul, a Transnordestina e o ansiado trem-bala entre São Paulo e Rio permanecem como miragens, o metrô paulistano avança a passos de cágado, com a implementação de apenas 1,5 km por ano desde o início de sua construção, em 1968.
Inexiste uma ação coordenada entre os três níveis de governo, responsáveis pelas questões de infraestrutura, para o equacionamento dos problemas mais agudos, o que se verifica tanto no episódio das enchentes que assolam o Sul e o Sudeste como na crônica seca do Nordeste.
Para além da visibilidade eleitoral que possam ter programas como o PAC, é preciso fazer muito mais para que nossas cidades -onde efetivamente vivem as pessoas e onde acontecerão os jogos da Copa e da Olimpíada- deixem de parecer acampamentos medievais, sem lei e sem adequados serviços públicos, com a população entregue à própria sorte.
Esse é o debate que precisa prevalecer na campanha eleitoral que se avizinha. Se por um lado já está definido aonde o Brasil pode e quer chegar -ao topo da liderança mundial-, resta saber como iremos até lá. O trem do desenvolvimento econômico e social não se move por meio de discursos.
Para isso faltam trilhos, tanto no sentido figurado como no literal.
ABRAM SZAJMAN, 70, empresário, é presidente da Fecomercio-SP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo), dos conselhos regionais do Sesc (Serviço Social do Comércio), e do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) e do Sebrae-SP (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).
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