O Estado de S.Paulo - 24/06
Talvez se possa dizer que as múltiplas e nem sempre facilmente identificáveis causas das impressionantes manifestações nas ruas das principais cidades do País nos últimos dias decorrem do afastamento do Estado brasileiro das preocupações da sociedade em geral e das aflições cotidianas de cada cidadão em particular.
São ainda difusas, é verdade, as razões que, além do aumento - revisto em diversas cidades - das tarifas de ônibus, levaram às ruas multidões que até há pouco pareciam conformadas com a situação presente. As manifestações deixaram claro que havia, latente, uma série de descontentamentos, cujas origens vão da descrença no sistema de representação política e da revolta com os desvios do dinheiro público à má qualidade das políticas públicas e suas consequências na vida de cada um. Tem-se a sensação de que se paga mais por cada vez menos e cada vez piores serviços públicos, ao mesmo tempo que se vê cada vez mais dinheiro do contribuinte tomando o rumo de bolsos e cofres privados. O País deveria estar refletindo sobre isso há mais tempo.
Há casos flagrantes de ineficácia de políticas públicas, em geral decorrente do mau uso das verbas do governo, não apenas e necessariamente por corrupção - que aparenta ser cada vez mais intensa -, mas também por falta de competência. O tempo crescente que boa parte dos moradores de São Paulo perde no trajeto entre a casa e o trabalho, e vice-versa, por causa da lentidão dos ônibus é um desses casos, e foi um dos motivos que levaram os manifestantes às ruas. Insegurança, maus serviços de saúde são outros.
Para o setor produtivo, as más condições da malha rodoviária nacional, das ferrovias, dos portos e aeroportos, a burocracia excessiva, a rápida corrosão da credibilidade da política fiscal, as pressões inflacionárias são outros exemplos de políticas e práticas inadequadas do governo.
Mas há um problema que, embora não seja tão óbvio, por não produzir efeitos imediatos, vem sendo apontado com mais insistência. Cresce, entre os que saíram às ruas - sobretudo os que, por serem estudantes, são vítimas diretas e imediatas -, a compreensão de que, além dos problemas que os afetam no presente, há outro mais grave, o da educação, que ameaça comprometer seu futuro e o do País.
Vistos pelas estatísticas, o problema parece não existir. De acordo com o Mapa Estratégico da Indústria 2013-2022 apresentado na semana passada no Senado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o que, proporcionalmente, o Brasil investe em educação, 5,7% do Produto Interno Bruto (PIB), é muito próximo do que investem países como Holanda, França e Estados Unidos. A escolaridade média da população de 15 anos ou mais passou de 6,4 para 7,5 anos entre 2000 e 2010.
Mas o problema do ensino brasileiro não é de quantidade, e sim de qualidade. No Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) relativo a 2009, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil foi classificado em 54.º lugar entre 65 economias. Na qualidade do ensino de Matemática, a posição do Brasil é ainda pior, 57.º lugar, atrás de Chile, México e Argentina.
São muitas as causas do atraso do ensino brasileiro em relação aos demais países, mesmo aqueles em estágio de desenvolvimento comparável ao nosso. Uma das palavras de ordem gritadas pelos manifestantes sintetiza bem uma delas: "Professor vale mais que o Neymar". Não se trata, é claro, de desmerecer as qualidades do titular da seleção brasileira e do mais novo integrante da espetacular equipe do Barcelona, mas de trazer ao conhecimento da população os maus efeitos da degradação das políticas públicas na área da educação, um dos quais é o aviltamento da profissão de professor do ensino público; outro, consequência do anterior, é a contínua perda da qualidade do ensino.
Além do ensino básico, no qual o Brasil vai ficando para trás, há ainda o problema da educação profissional, orientada para a formação da mão de obra requisitada pelo mercado de trabalho. De acordo com a CNI, apenas 6,6% dos estudantes brasileiros do ensino médio regular fazem cursos profissionalizantes. Nos países desenvolvidos, segundo dados apurados pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), o índice é de cerca de 50% (55% no Japão, 52% na Alemanha e 41% na França e na Coreia do Sul).
Da mesma forma, é muito baixa a porcentagem dos profissionais de nível superior graduados na área tecnológica, o que dificulta o avanço da inovação no País. Somente 5% dos graduados em faculdades no Brasil formam-se em Engenharia.
Foram essas as razões que levaram a CNI a colocar a educação como a questão central para dar ao País condições de crescer em ritmo compatível ao da evolução do resto do mundo. "Uma sociedade educada é essencial na construção de instituições e de um ambiente favoráveis aos negócios", diz a entidade, no resumo dos fatores-chave para a competitividade. "A educação também é o principal insumo para a inovação", completa.
O que pelo menos uma parte dos que saíram às ruas nos últimos dias está mostrando é que a necessidade de melhora do ensino brasileiro, tanto na educação básica como nas de nível mais alto, está deixando de ser tema apenas de um grupo ainda restrito de especialistas e de cidadãos preocupados com o futuro. Quanto mais pessoas se interessarem por isso - e por outras graves deficiências das políticas públicas -, maiores as chances de as autoridades buscarem as respostas corretas.
Se isso não ocorrer, cedo ou tarde, não apenas os professores e os alunos, mas todos os brasileiros acabarão sofrendo as consequências desse descaso. Cidadãos menos preparados terão mais dificuldades para alcançar melhores condições de vida para si e sua família. Com profissionais menos preparados, mais dificuldades terá o País para alcançar níveis mais altos de produtividade e de competitividade. Outros países vêm obtendo resultados econômicos notáveis graças à qualidade de seu sistema de ensino.
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