Virada a página do impeachment (Dilma Rousseff já deixou o Palácio da Alvorada), as atenções se voltam para o desempenho de outra mulher, a ministra Cármen Lúcia, que assume na segunda-feira (12), pelos próximos dois anos, a presidência do STF.
A direção do Supremo é resultante de um rodízio. Não é fruto de disputa ideológica. A margem de discricionariedade do presidente é reduzida, incapaz de interferir no conteúdo das decisões monocráticas e coletivas do tribunal. Tem as atribuições de presidir as sessões do Pleno, composto pelos 11 ministros, e estabelecer as pautas de julgamento.
Mas a imagem pública que se construiu da nova presidente –religiosa, discreta e austera– pode ser positiva para o país e para o próprio sentimento feminista.
Não deixa de ser curioso ver a simplicidade estampada em seu rosto (prefere processos a festas, quebrou em 2007 o tabu da saia como vestimenta ao ingressar no recinto de julgamento usando calça e blazer, foi o primeiro integrante do STF a divulgar seu holerite) em contraposição a um cerimonial que preza o salto alto e ainda se preocupa em coibir "sandálias rasteiras".
É na presidência do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que o papel de Cármen Lúcia pode significar uma mudança real. Tem o desafio de reverter o legado corporativista de Ricardo Lewandowski.
Muito embora o espírito da Constituição seja o da transparência absoluta em matéria de remuneração e de atividade extrajudicial de magistrados, para Lewandowski, como noticiou em julho o jornal "Valor Econômico", juízes não precisam informar os "honorários" recebidos por palestras proferidas porque "nós não somos obrigados a revelar quanto recebemos nas atividades privadas". Mas que mal faria esta providência para a credibilidade da Justiça, sobretudo depois que se verificou pelas investigações da Lava Jato que palestra também pode ser instrumento disfarçado de pagamento indevido?
Hoje, os vencimentos dos magistrados (resolução do CNJ de 2012) devem ser expostos nos sites dos tribunais, sob a rubrica "transparência", o que representa um avanço extraordinário.
Em muitos Estados, o roteiro para o acesso aos dados é complexo. Em alguns, a busca parece infrutífera. Em São Paulo, a transparência existe: é possível consultar o "detalhamento da folha de pagamento do pessoal" com as planilhas da remuneração da magistratura paulista mês a mês.
O que se vê, no entanto, é que o teto constitucional estabelecido para os vencimentos dos magistrados parece obra de ficção. Além da "remuneração paradigma", de pouco mais de R$ 30 mil, com as vantagens pessoais e eventuais, indenizações e gratificações o valor pago a desembargadores costumeiramente ultrapassa a casa de R$ 60 mil, R$ 80 mil, R$ 100 mil.
Os famosos "penduricalhos" beneficiam ainda membros do Ministério Público e de outras carreiras jurídicas. É o caso do constrangedor "auxílio moradia", pago indiscriminadamente a todos os juízes brasileiros, mesmo que eles não necessitem da ajuda.
Há um vespeiro político e funcional a ser dominado no âmbito do Poder Judiciário. Para o bem das contas públicas. Cármen Lúcia talvez tenha o perfil ideal para este enfrentamento. É esperar e ver.
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