sábado, maio 14, 2011

CLÓVIS ROSSI - O mistério do "smoking gun"


O mistério do "smoking gun"
CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SÃO PAULO - 14/05/11

Com Bin Laden, houve inicialmente uma arma nas mãos do terrorista, depois retirada. Eis o mistério


"SMOKING GUN", como você sabe, é uma expressão que os norte-americanos inventaram para falar figuradamente de arma do crime, prova do crime, na forma de um revólver ainda fumegante após o disparo.
No caso Osama bin Laden, houve inicialmente um "smoking gun" nas mãos do líder da Al Qaeda, depois retirado. Eis o mistério.
A existência da arma fumegante dava aos atacantes uma boa justificativa para escapar da crítica mais sólida que se faz à operação, qual seja o fato de que, em vez de capturar Bin Laden e levá-lo a julgamento, o comando preferiu executá-lo.
É verdade que, para algumas pessoas, se trata de pura frescura, se o leitor me permite usar uma expressão pouco vernacular. Mas para mim, pelo menos, é toda a diferença entre civilização e barbárie, entre o devido processo e a lei de Talião.
Se se mantivesse a versão original, essa linha divisória ficaria borrada, até eventualmente apagada. Ante um criminoso assumido, de arma na mão, matá-lo passa a ser uma necessidade operacional.
Já sem a arma, dá para "sentir vergonha de ser norte-americano", como escreveu segunda-feira nesta Folha o jornalista Michael Kepp, há 28 anos no Brasil, usando argumentos irrefutáveis.
Por quê, então, mudar a versão original e retirar o "smoking gun" das mãos do líder terrorista?
Um ataque de transparência extremada? Duro de acreditar, não? Ainda mais que a transparência não chegou ao ponto de divulgar fotos de Bin Laden morto.
Medo de um desmentido pelas testemunhas? No mínimo improvável. É evidente que, entre a versão dos atacantes e a de parentes ou aliados de terroristas, a grande maioria das pessoas preferirá a primeira, noves fora os fanáticos de diferentes colorações, inclusive aqueles que são antiamericanos, façam o que façam os Estados Unidos.
Resta crer na avaliação de George Friedman para o sítio de geoestratégia Stratfor, que começa com uma machadada em analistas, colunistas (e leitores): "Depois de qualquer operação desse tipo, o mundo se enche de especulações por parte de pessoas que não sabem e de silêncio ou desinformação de parte dos que sabem".
Depois, vai ao ponto: "Ofuscar como a inteligência se desenvolveu e os detalhes específicos de como uma operação foi executada é parte essencial de operações encobertas. O processo exato precisa ser distorcido para confundir os oponentes a respeito de como as coisas foram realmente executadas; do contrário, o inimigo aprende lições e se adapta. (...) Desinformação operacional é a fase final e crítica de operações encobertas".
Pode ser uma explicação, mas, se é a verdadeira, não ajuda em nada na imagem dos Estados Unidos. Ficaria claro que preferem mandar mensagens aos terroristas, ainda que eventualmente obliteradas, a mandá-las ao mundo civilizado.

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