Folha de S. Paulo - 25/06
Moldado pelos petistas, derrubou Dilma e elegeu o capitão reformado
Ali pelo final de seu livro "Capitalismo na América", Alan Greenspan, economista e ex-presidente do Federal Reserve dos Estados Unidos, se detém na clivagem em voga na política americana. No ódio escandido por Donald Trump a cada três entre quatro verbos de suas frases.
Greenspan, um republicano de quatro costados, capaz de criticar Reagan e elogiar Clinton, com todo o respeito liberal, conclui que a animosidade na política se dá por uma questão econômica. Simples: pela primeira vez em décadas, a atual geração de americanos será mais pobre do que a geração de seus pais e avós. É quando proliferam as antas.
No caso dos Estados Unidos, berço da revolução digital (ou 4ª Revolução Industrial), a destruição criativa espreme as antigas profissões, substituídas pela robótica e anteriormente pela mão de obra barata de países asiáticos, e aumenta a desigualdade social.
Simples, de novo: basta ver que a Amazon disparou no mercado de ações, e redes como J. Crew e mesmo Zara, de comércio varejista tradicional, enfrentam semelhante mau humor experimentado 120 anos atrás pelos fabricantes de selas e chicotes (e também pelos proprietários de cavalos), quando o automóvel ganhou as ruas.
O livro de Greenspan me lembrou de uma conversa final de tarde em dezembro de 2014, na praia de Itapuã (BA), com o poeta Antonio Risério. Ambos estávamos escandalizados com a campanha eleitoral de reeleição de Dilma Rousseff, quando o marqueteiro petista, João Santana, o antes popular Patinhas, forjara de vez a clivagem lulista de "nós" ou "eles"; e, para ganhar, inventara saco de inverdades contra Marina Silva.
Lembro de dizer a Risério: isso vai voltar, a campanha destampou um ódio, adicionou à política novamente um amargor de frustração cuja reação, ensinam os mandamentos quânticos, será em proporções maiores. Pois o ódio moldado pelos petistas, Lula à frente, derrubou Dilma e elegeu o capitão reformado.
E o ódio fermentou ainda em fogo alto sob a primária política econômica de Dilma-Mantega, de matriz geiselista, com um saldo de 12 milhões de desempregados e os habituais PIBs negativos.
Se os americanos se encontram clivados pela política trumpista, embora acumulem crescimentos de PIB algo tímidos, jogue a lupa na realidade brasileira, cujo desempenho econômico desde a década de 1980 é mais anêmico do que um figurante de reality da Record.
Enquanto os americanos padecem pela trituração de ocupações, muitas delas já obsoletas, ou de técnica limitada (carros: até russos possuem as suas marcas!), o Brasil cumpre sua sina de viver ideias fora do tempo. Cada vez mais o Brasil político se assemelha ao desempenho nas pistas de Rubinho Barrichello (parece que contraiu há pouco a H1N1).
Caiu no conto da direita em 1964 (achando que o latifundiário João Goulart era comunista!); em 2002, no ideário esquerdista-estatista (quando a União Soviética ruíra décadas antes); e, em 2018, no assombro nazibozonarista (na época a Venezuela de Chaves e Maduro já era miasma).
O retorno de Lula das tumbas do ABC, contra os manifestos democráticos, revela a estratégia da foto: "nós" ou "eles", sempre. Petistas x bozonaristas. Interessa a rivalidade binária, tão entranhada na vida brasileira. E imaginar que a Frente Ampla, em 1966, juntou contra os milicos Jango Goulart, JK e Carlos Lacerda. Éramos mais sofisticados (ideológica e espiritualmente) e não sabíamos.
Miguel de Almeida, escritor e diretor dos documentários 'Não Estávamos Ali para Fazer Amigos' e 'Tunga, o Esquecimento das Paixões', é autor de 'Primavera nos Dentes' (ed. Três Estrelas)
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