Desde julho passado o engenheiro Zwi Skornicki vem contando suas traficâncias com a Petrobras aos procuradores da Operação Lava-Jato. Seus depoimentos internacionalizaram o escândalo, dando nome aos bois. Zwi era conhecido no mundo do petróleo por ser o poderoso representante dos estaleiros Keppel Fels, de Cingapura. Uma figura inesquecível para os peões que o viam circulando nas oficinas com um Rolex cravejado de brilhantes. Ficou famoso quando a Polícia Federal mostrou a casa cinematográfica que tinha em Angra dos Reis e a coleção de 12 carros que guardava em seu sítio (três Porsches e duas Ferraris).
A Keppel é um gigante da indústria naval, controlando 22 estaleiros em vários continentes, inclusive no Brasil. Seus contratos com a Petrobras chegaram a US$ 6 bilhões, e Zwi distribuiu dezenas de milhões de dólares em propinas, irrigando contas de petrolarápios, comissários petistas e do marqueteiro João Santana.
Até aí, Skornicki seria apenas mais um personagem da Lava-Jato, mas ele abriu a caixa-preta das operações internacionais. Todos, repetindo, todos os seus acertos foram submetidos à diretoria da Keppel em Cingapura. Ele tinha escritório na filial brasileira da empresa, continuou frequentando-o depois de sua condução coercitiva à Polícia Federal, em 2015, e, segundo acredita, suas salas continuam lá. O engenheiro não era um operador vulgar: “Eu era o único representante mundial da Keppel que participava de reuniões internas de estratégias de mercado da empresa”.
Nas suas palavras, quando pediram-lhe 0,7% no contrato de US$ 650 milhões da plataforma P-51 e 0,6% na encomenda de US$ 700 milhões da P-52, ele foi a Cingapura e “sempre” levou o recado: “Deixei claro que seria propina” e “foi aceito”. O mesmo se deu com outras negociações. Quando Pedro Barusco pediu uma lasca de 1,2% no contrato da plataforma P-56, os diretores de Cingapura pechincharam e ofereceram 0,9%.
Até hoje a petrorroubalheira tinha um jeito de jabuticaba. Sabia-se das traficâncias dos holandeses da SBM, mas eles conseguiram sair de fininho, pagando uma multa. Estimulado por perguntas de seus advogados, Skornicki apontou para o comando da Keppel. Primeiro, o do seu principal executivo no Brasil, Tay Kim Hock, figura conhecida na noite de Copacabana e nos campos de golfe do Rio. Ele deixou a empresa em 2012. Skornicki arrolou quatro outros diretores da Keppel, entre eles Choo Chiau Beng, principal executivo do conglomerado até 2014.
Há dois anos, quando Skornicki foi levado para depor à Polícia Federal, a Keppel informou que nada tinha a ver com ele. Lorota, tanto que ele continuou utilizando sua sala na empresa. Seu contrato com a Keppel até hoje não foi cancelado.
Para os críticos do instituto da colaboração, vai a lembrança de que Skornicki falou só graças a ela, para se livrar de uma pena severa. Pelo baralho velho e viciado, ele seria apenas um empreendedor, a Keppel teria padrões rígidos de combate à corrupção, e a Viúva ficaria com o mico. Pelo baralho novo, Skornicki contou o que fez e uma parte do que sabe, e aceitou pagar uma multa de US$ 24 milhões. Ele seria liberado neste mês, com direito a seis meses de tornozeleira em casa, mais três anos e meio de serviços comunitários.
O INCRÍVEL DOUTOR CHOO
O doutor Choo Chiau Beng, CEO dos estaleiros Keppel Fels ao tempo em que sua empresa aspergia propinas na Petrobras, era também o embaixador “não residente” de Cingapura no Brasil. Ele entregou suas credenciais a Lula em 2004. Resta saber como tramitou no Itamaraty o pedido de agrément para o presidente de uma empresa com negócios (e que negócios) no Brasil.
Entende-se que um país tenha um chefe de missão “não residente” quando isso envolve uma função cumulativa. O embaixador na França, por exemplo, mora em Paris e acumula a representação junto ao Principado de Mônaco. O doutor Choo morava em Cingapura e lá comandava a Keppel. Nada a ver. Acumulando o título de embaixador com a função de CEO da empresa, ele ajudou a feliz negociação de um financiamento do BNDES a juros camaradas para um braço da Keppel no Rio. Acompanhando o chanceler e ministro da Justiça de Cingapura, visitou o então presidente do Supremo Tribunal, ministro Joaquim Barbosa. Falaram até dos salários dos juízes.
No Brasil, já houve casos de embaixadores estrangeiros que depois de desempenhar suas funções passaram a fazer negócios. Jogo jogado. Embaixador que representa o país, preside uma empresa, administra negócios e acompanha propinas, é coisa nunca vista.
Cingapura é um dos países mais severos do mundo no combate à corrupção, mas seu desempenho é exemplar quando se trata de reprimir maracutaias internas. Apesar de ter leis que penalizam roubalheiras praticadas em outros países, até hoje não se sabe de alguém que tenha ido para a cadeia por ter pagado pixulecos fora de suas fronteiras.
RECORDAR É VIVER
Saiu barato para os nadadores americanos que inventaram a história do assalto.
Em 2004, no aeroporto de Miami, dois jovens brasileiros disseram ao policial que revistava suas bagagens que nela havia uma bomba.
Pela brincadeira de mau gosto, ou confusão idiomática, os dois ralaram um mês na cadeia, outro em prisão domiciliar, e tiveram que pagar US$ 5 mil.
Houve época em que os americanos se safavam das leis brasileiras. Em 1966, foram presos no Brasil quatro contrabandistas americanos que voavam num pequeno avião. Sabe-se lá como, tinham ligação com o senador liberal William Fulbright, que falou com o secretário de Defesa, Robert McNamara, que falou com o adido militar no Brasil, general Vernon Walters.
Walters pediu uma audiência ao presidente Castello Branco, e, dias depois, as celas em que estavam os delinquentes foram misteriosamente abertas, e eles escafederam-se.
CPI DA ROUANET
Pelo andar da carruagem a CPI da Lei Rouanet poderá virar um espetáculo teatral digno de incentivos culturais para pesquisas sobre o desempenho dessas comissões.
Felizmente, extinguiu-se a CPI do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e suspendeu-se a possibilidade de extorsões contra empresários.
A Lei Rouanet tem muitos defeitos, mas ela fez mais pela cultura do que as CPIs que limparam o prontuário das administrações petistas da Petrobras e as ligações políticas de Carlinhos Cachoeira.
Essa CPI foi criada pelo inesquecível Waldir Maranhão quando presidia a Câmara.
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