sexta-feira, setembro 25, 2009

AUGUSTO NUNES

VEJA ON-LINE


Toffoli disse há quatro meses que quem faz o que fez há quatro anos não merece uma vaga no Supremo

25 de setembro de 2009

No outono de 2005, depois de ganhar de presente uma passagem de ida e volta, Benedito Vitor Januário dos Santos embarcou num avião em São Paulo, participou do jantar em Brasília promovido por ex-alunos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e voltou na manhã seguinte. Quem teve a ideia de abrilhantar a noitada com a presença do folclórico Vitão, funcionário do Departamento Jurídico XI de Agosto e festeiro animadíssimo, foi o advogado José Antonio Toffoli, subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, que providenciou o bilhete aéreo. Quem pagou foi a Secretaria da Administração da Presidência da República. Quem bancou a viagem foram os pagadores de impostos.

O Portal da Transparência, criado pela Controladoria Geral da República para mostrar como o governo gasta o que toma dos brasileiros comuns, confirma que em 19 de maio de 2005 a Secretaria da Administração repassou R$ 290 a Benedito Vitor Januário dos Santos. O portal se limita a revelar o valor desembolsado e a identidade do ”favorecido”. A transparência não se estende ao nome de quem mandou pagar nem à razão do pagamento. No caso de Vitão, a informação é dispensável. Há quatro anos, um voo de ida e volta entre São Paulo e Brasília custava exatamente R$ 290. Toffoli vive assumindo a paternidade da ideia em jantares com amigos.

Para os padrões brasileiros, subvertidos por roubalheiras que movimentam cifras inverossímeis, parece pouco. Dinheiro de troco, diriam os senadores. Uma viagem só, e ainda por cima doméstica, é coisa de amador, desdenhariam os deputados. Num país rebaixado a viveiro de corruptos bilionários, José Antonio Toffoli subtraiu aos cofres públicos uma quantia inferior a mil reais, consumida em duas decolagens e dois pousos. Quem faz isso merece castigo?

Merece uma punição exemplar, acha José Antonio Toffoli ─ ele mesmo, mas quatro anos mais tarde e em outro emprego. Ou achava até maio passado. ”O Brasil precisa conscientizar-se de que quem exerce uma função pública só pode gastar o dinheiro público no interesse público”, disse em entrevista a VEJA o chefe da Advocacia Geral da União. Depois de sublinhar que a corrupção endêmica e a gastança irresponsável devem ser combatidas com muito mais rigor, o entrevistado ensinou que um crime jamais será condicionado pelo tamanho do lucro ou do prejuízo. Atos ilícitos não são tabelados.

“É preciso acabar com esse costume de passar a mão na cabeça dizendo que o erro foi pequeno, que foi coisa de mil reais, que foi só uma passagem aérea”, reiterou Toffoli. “Não há erro pequeno. É preciso tolerância zero com o uso indevido de dinheiro público. Mesmo o erro pequeno precisa de punição”. Segundo o chefe da AGU, essa modalidade criminosa não comporta pecados veniais. Todos são mortais. Não há diferenças relevantes, portanto, entre o subchefe da Casa Civil que desviou R$ 290 e o mais guloso mensaleiro. O uso irregular de um bilhete é tão criminoso quanto o furto de milhagens transatlânticas.

Indicado por Lula para uma vaga no STF, Toffoli anda visitando senadores para garantir que merece nota dez nos quesitos reputação ilibada e notável saber jurídicos, que deveriam determinar o destino de um candidato à toga. Algum pai da pátria tem de apartear o discurso do visitante, apresentar-lhe simultaneamente o caso de Vitão e a entrevista de maio e convidá-lo a explicar a colisão frontal. Se renegar a entrevista, estará provado que o saber jurídico de Toffoli é notavelmente instável. Se reafirmar o que disse, estará provado que a reputação não rima com ilibada.

Seja qual for a resposta, Toffoli estará desqualificado para virar ministro do Supremo. Seu passado pode arruinar o futuro do tribunal.

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