Administrando a retomada
O ESTADO DE SÃO PAULO - 25/09/09
Há consenso mundial de que o pior da recessão já passou. Mas, para usar as palavras do presidente Hu Jintao sobre a recuperação chinesa, mãe da atual mudança de cenário, a recuperação é precária, desordenada e instável. Por quê? Qual deve ser a preocupação dos governantes?
O comércio internacional foi o principal veículo de propagação da prosperidade e da crise. A resposta positiva da economia chinesa aos estímulos domésticos tem sido fortalecida pela nova integração comercial do bloco asiático. Desde fevereiro, essa novidade tem compensado os estragos que a crise financeira produziu sobre a oferta de crédito. Com isso, a defesa da demanda interna se transmitiu, via compras interindustriais, aos países cujo dinamismo recente dependia das exportações, inclusive o Brasil.
Finalmente, a alta de preços dos ativos afetados pelo desempenho desses mercados revigorou o apetite para o risco financeiro em todo o mundo. Dados os baixos custos de financiamento, em consequência das políticas monetárias expansionistas em todo o mundo, esse apetite estimulou maiores preços das ações e baixou o custo do endividamento privado e público. Com o novo clima de otimismo nos mercados financeiros, os ânimos empresariais recuperam a disposição para aumentar os gastos de capital.
Até recentemente, os riscos de que esse otimismo resultasse numa bolha de curta duração dominavam as análises. A razão era a distância que separava as perspectivas das economias reais, ainda muito fragilizadas pelos desdobramentos internos da recessão nos EUA e na Europa, das projeções de lucros embutidos nos preços das ações.
Desde o final de julho, entretanto, três fatos diminuíram a relevância desses riscos: a suavidade da queda do dólar diminuiu os temores de que a persistência dos desequilíbrios americanos gerasse um desastre cambial; os movimentos de realização de lucros e projeções mais em linha com os cenários econômicos não derrubaram os preços das ações globais; e a melhoria das projeções globais predomina sobre a queda esperada no consumo americano em 2010.
As projeções para o nível de atividade e para o comércio internacional continuam a melhorar em praticamente toda a parte, mas foi a Ásia que teve seu papel reforçado como capaz de compensar a queda do consumo americano, o mais importante motor da última fase expansiva do ciclo mundial. O Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB) registra a novidade que aumentou o crescimento esperado da região em 2009 para 3,9%: o aumento do comércio inter-regional. Em 2008, este respondia por 42% dos fluxos, em particular do fluxo intrarregional de bens finais. Essa novidade compensou a queda de 27% nas exportações do núcleo da Ásia (inclusive Japão) para o G-7 (ex-Japão) desde setembro de 2008. As exportações totais desse grupo caíram 47,5% entre setembro de 2008 e fevereiro de 2009, mas cresceram 48% de fevereiro a julho. As importações (sem Japão) já representam 19,8% do total mundial.
A integração comercial, que ao longo dos últimos dez anos era calcada nos laços interindustriais, passa a depender, agora, dos laços intrarregionais de bens finais. Isso explica a maior resistência dos mercados à queda das importações americanas e europeias. Neste ano, as compras chinesas dos vizinhos (exceto Japão) aumentaram de US$ 19,9 bilhões, em janeiro, para US$ 37,4 bilhões, em julho. Essa combinação permitiu que os países da região se beneficiassem da defesa da demanda interna na China e no Japão.
Se um crescimento mais rápido está diante de nós, qual o problema a administrar? A precariedade e a instabilidade apontadas por Hu Jintao. A vulnerabilidade foi descrita pelo próprio presidente chinês em seu último discurso ao partido: "Se não houver estabilidade (...) o que quer que tenhamos conseguido será perdido." Um contraste com o discurso de outros governos que se atribuem o dom da magia e abusam da demagogia.
O combustível monetário e fiscal da inflação está espalhado por todas as economias. Um crescimento rápido produz fagulhas. O G-20 precisa agir para não desmontar, com uma inflação desorganizadora, a confiança no progresso da gestão macroeconômica, que produziu o longo ciclo de prosperidade e limitou, na recessão, a destruição, no rastro de uma das mais sérias crises bancárias da História. No Brasil, a tarefa ainda é fácil, mas o governo precisa levar a sério os sinais da deterioração fiscal.
*Dionísio Dias Carneiro, economista, é diretor da Galanto Consultoria e do IEPE/CdG
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