domingo, novembro 14, 2010

CELSO MING

Arma contra a deflação
CELSO MING 


O Estado de S.Paulo 14/11/10
Foi-se o tempo das reverências e dos acatamentos incondicionais de cada decisão do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos). Desta vez, sua política monetária alternativa está sendo criticada por todos os lados, embora nem sempre pelas razões certas.
A política é a do afrouxamento quantitativo, que consiste na recompra de títulos do Tesouro americano com a emissão de moeda. Já saiu para isso US$ 1,7 trilhão e mais US$ 600 bilhões deverão ser emitidos até junho de 2011.
Alemanha, França, China e Brasil denunciam esse despejo de moeda pelos seus efeitos reais e não pelas intenções expostas pelos responsáveis por ela. E esses efeitos são a desvalorização do dólar e a valorização relativa que provocam nas demais moedas nacionais.
A maioria dos críticos denuncia os riscos de inflação e da criação de bolhas financeiras que essas impressões de dinheiro tendem a provocar. No entanto, o presidente do Fed, Ben Bernanke, não pode ser contestado quando diz que não há no horizonte nenhum risco de inflação ou de bolhas assassinas.
Bernanke afasta outra crítica, a de que o Fed não terá condições de reverter o processo em tempo hábil se a inflação ou se as bolhas aparecerem da noite para o dia. Ele tem respondido que é relativamente fácil pisar nos freios e colocar rapidamente em marcha o eventualmente necessário enxugamento de liquidez.
Seu argumento central é o de que o afrouxamento quantitativo é uma maneira de reverter ameaças de deflação, essa doença da moeda tão ou mais perversa do que a inflação.
Apenas para esclarecer, quando a economia se prostra na deflação (queda persistente e duradoura dos preços), a arrecadação de impostos baqueia porque estes são calculados sobre os preços. E, se eles estão baixos, produzem menos receita.
A deflação derruba o lucro das empresas porque encurta o faturamento. Em seguida, trava os investimentos e a contratação de pessoal, porque empresário nenhum quer aumentar um negócio que aponta para prejuízos ou estagnação. A deflação aumenta as dívidas em termos relativos porque estas permanecem do mesmo tamanho enquanto preços e salários se contraem. Ela ainda leva os bancos a aumentar o dinheiro em caixa e a segurar o crédito no pressuposto de que, quanto mais esperarem, maior o poder aquisitivo do mesmo volume de dinheiro. E, pelas mesmas razões, levam as pessoas a deixar dinheiro parado (entesouramento) em vez de colocá-lo em circulação.
Nenhum dos críticos deixa de reconhecer a necessidade de medidas preventivas contra a deflação. Mas avisam que o afrouxamento quantitativo é pouco eficaz para isso. Em vez de reativar o crédito, o consumo e o emprego, os dólares abundantemente emitidos escorrem do mercado americano para o resto do mundo, onde atuam para valorizar as outras moedas. É sinal de que a novidade monetária não serve como arma contra a deflação.
Na reunião de cúpula realizada em Seul, na Coreia do Sul, quinta e sexta-feira passadas, tanto o presidente Barack Obama como o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Tim Geithner, avisaram que a política é essa e que não vai mudar.
Mas eles já não podem sustentar o argumento de que seu objetivo é a valorização do dólar. Nem que a China deve ser condenada por desvalorizar a sua moeda. Afinal, os Estados Unidos não estão fazendo exatamente o mesmo, embora com outros instrumentos?
Licença para matar
Houve quem identificasse no parágrafo 6 da Declaração do G-20 aprovada em Seul uma espécie de licença de caça, ou uma autorização para que o governo brasileiro passe a controlar o fluxo de capitais especulativos, de modo a evitar excessiva valorização cambial.
Macroprudência
Lá ficou dito que economias emergentes com reservas internacionais adequadas e câmbio sobrevalorizado poderão adotar "medidas macroprudenciais cuidadosas" para se proteger do forte fluxo cambial.
Pedir para quê?
Difícil entender esse novo caráter autorizativo. Até hoje, o governo brasileiro não precisou pedir licença a nenhum organismo internacional para taxar a entrada de capitais ou, eventualmente, para impor uma quarentena a eles.
Consulta?
E não haveria de ser o G-20, uma organização de caráter informal, que teria de ser consultado para isso. 

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