Mudança de estilo
REGINA ALVAREZ
O GLOBO - 14/11/10
As peças desse quebra-cabeça que é a montagem do novo governo ainda estão sendo selecionadas, mas é possível vislumbrar com que estilo e tom a presidente eleita, Dilma Rousseff, irá conduzir a política externa e quais peças se encaixam nesse jogo de poder. O estilo bem diferente de Lula deve resultar em uma política também diferente. Mais pragmática e menos pirotécnica.
Na semana passada, em Seul, Dilma fez a primeira aparição na cena internacional, após o resultado das urnas. Pode comparecer a mais algum compromisso no exterior até a posse, a pedido de Lula, mas a partir de janeiro deve dar prioridade à agenda interna, deixando a internacional ser tocada pelo novo chanceler.
Os sinais emitidos pelo entorno da presidente eleita indicam que o atual, Celso Amorim, é carta fora do baralho. O ministro das Relações Exteriores deve ter perfil discreto, mais ao estilo de Dilma, e ficará totalmente subordinado ao seu comando.
Nesse figurino encaixa-se o embaixador Antonio Patriota, atual secretário-geral do Itamaraty, que é próximo de Amorim, mas muito ligado à própria Dilma por laços de amizade e admiração mútua.
Na bolsa de apostas para substituir Celso Amorim, Patriota permanece no topo, embora tenham surgido novos nomes nos últimos dias, como o de José Viegas, exministro da Defesa e atual embaixador do Brasil na Itália, que é amigo de Lula.
Ao que tudo indica é no campo internacional que ficará bem marcada a diferença de estilo entre criador e criatura.
A política externa de Dilma não deve abrir espaço para lances de ousadia, como o protagonismo de Lula na tentativa de um acordo entre os Estados Unidos e o Irã sobre o programa nuclear, que no final das contas nos colocou em oposição com a primeira potência do mundo, um dos nossos principais parceiros comerciais.
Avaliação colhida entre diplomatas graduados é que o estilo carismático e emotivo de Lula, que ajudou o Brasil a marcar muitos gols no campo internacional, foi o problema que resultou na forte reação dos EUA ao acordo de Teerã.
Lula se excedeu nas manifestações de afetuosidade com Ahmadinejad, irritando os Estados Unidos.
O governo de Dilma deve buscar uma aproximação maior com o governo de Barack Obama, por razões óbvias que não foram levadas em conta na atual gestão. A importância estratégica da parceria com a maior potência do mundo. Na condução da política externa, a presidente eleita deve buscar também uma maior interação entre as várias áreas de governo que lidam com o comércio exterior. A sintonia entre o Itamaraty e o MDIC, por exemplo, é importantíssima, mas não é isso que acontece no atual governo.
Tabuleiro I
Fonte próxima à presidente eleita aposta que Antonio Palocci ocupará um cargo de coordenação no governo de Dilma. "Não tem como ser diferente. Ele coordenou a campanha e está no comando da transição. Não faz sentido desperdiçar essa bagagem toda e seu trânsito nos setores empresarial e político, colocando Palocci em um ministério setorial", argumenta. Faz sentido.
Tabuleiro II
Já na área econômica, os mesmos ventos que sopram a favor de Mantega, como se viu no G-20, porque ele é queridinho de Lula e também de Dilma, segundo a fonte, empurram o presidente do BC, Henrique Meirelles, para fora da equipe econômica. Dilma não tem temperamento para conviver com os conflitos internos e alfinetadas em público que se viu na gestão de Lula entre a Fazenda e o Banco Central. O coração da presidente eleita bate por Nelson Barbosa, mas o humor do mercado pode inviabilizar a ida do atual secretário de Política Econômica para o BC.
EUA x China I
A presença chinesa na América Latina tem sido vista com cautela pelos americanos. O Council on Hemispheric Affairs (Coha), entidade considerada um think tank liberal, escreveu que o governo americano está monitorando atentamente os passos chineses na região. A leitura é de que a China está aproveitando o bom momento econômico para ampliar sua influência política.
EUA x China II
O Coha lembra que os chineses tomaram o posto dos EUA como principal parceiro comercial do Brasil, em 2009, e têm sido capazes de oferecer acordos que estão além da capacidade dos americanos: "Em alguns casos, os chineses emprestaram bilhões de dólares com juros abaixo de 1%. Pelas regras da OCDE, os Estados Unidos são obrigados a praticar taxas de mercado", destaca.
O ataque do dragão
Os números mostram que a corrente de comércio da AL com a China disparou nos últimos anos. Em 2000, somava US$ 12 bi. Em 2008, atingiu US$ 180 bi e, em 2009, mesmo com a crise mundial, chegou a US$ 125 bi. Entre 2003 e 2008, as exportações da AL para a China cresceram em média mais de 35% ao ano. O consultor Rodrigo Maciel, da Strategus Consultoria, diz que o Brasil precisa tirar proveito da situação: "Temos que atrair investimentos diversificados para os projetos de infraestrutura", recomenda.
FÓRUM: O Ibre/FGV promove na próxima sexta-feira o seminário "O Brasil no novo governo", para discutir os desafios de Dilma Rousseff na política econômica.
COM ALVARO GRIBEL
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