Os bilhões falsos do autoritarismo
JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 18/04/10
Custo alegado pelo governo da hidrelétrica de Belo Monte não inclui gastos adicionais, subsídios e perdas do BNDES
MAIS uma vez se pode testemunhar com clareza o quanto a conduta presidencial de Lula está impregnada de autoritarismo. Como de desajuste com a pedagogia necessária a uma democracia mais real no Brasil. A imposição, com o comprometimento presente e futuro de recursos incalculáveis, da construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu paraense, só deixa à sensatez uma esperança tênue no Judiciário.
Marcado para terça-feira, o leilão entre dois consórcios, para decidir o vencedor da obra e da exploração da hidrelétrica, ainda está sujeito à suspensão por medida judicial. O juiz Jirair Aram Meguerian cassou a liminar que sustava o leilão, mas Renato Brill de Góes, procurador da República, dispôs-se a recorrer para que a palavra judicial seja, ao menos, da Corte Especial do Tribunal Regional Federal de Brasília, e não individual. Adiar o leilão, porém, é apenas um recurso temporário e incapaz de deter a vontade autoritária, para que a decisão final surja do confronto entre a pressa interessada do governo e as evidências contrárias à hidrelétrica.
Os R$ 19 bilhões de custo da usina são uma alegação falsa do governo. Seria, se fosse real, o custo da usina em si. Mas há o custo de infraestrutura da região, os custos adicionais de transmissão da energia, e, claro, os reajustes. A proibição contratual dos reajustes pode impedir certas elevações, mas não, por exemplo, as de imprevistos decorrentes -é certo que haverá- da falta de conhecimento pleno da geologia local para o projeto.
O custo alegado da usina para o país é falso ainda porque não inclui os grandes e duradouros subsídios dados pelo governo aos construtores/concessionários. Não inclui a perda do BNDES, que financiará com juros privilegiados 80% do custo da hidrelétrica, caso o dinheiro se destinasse a outros projetos. E não inclui, também, o prejuízo federal do repasse de dinheiro ao BNDES, pelo governo, abaixo do custo de captação. Por fim, é falso porque a graciosidade do financiamento não se limitará aos 30 anos alegados, mas, a custo tão baixo para o devedor, as prorrogações habituais o levarão a um bom meio século.
Você sabe quem pagará tudo isso? Não importa. Pagará sabendo ou não.
O fato de ser a terceira maior hidrelétrica do mundo não justifica tudo? É outra falsificação. Grande, no caso, pode ser o represamento, sobre a floresta amazônica e zonas hoje habitadas, mas não em geração de energia. Mesmo considerando médias anuais, os números do governo são pífios em relação ao gigantismo da obra e seu custo (financeiro, social e ambiental). E os números se arruinam em definitivo ante a realidade de que, no estio, a redução do volume de água vai se refletir em redução da energia gerada. Indústrias, transportes, comércio e moradias não sustam sua necessidade de energia por causa de estio periódico.
Muitas obras do PAC são do mesmo gênero de Belo Monte, boa parte escolhida ou precipitada por motivo eleitoral. São bilhões sem conta. Outros bilhões, muito misteriosos, são as dezenas aplicadas em armamentos, bases e projetos militares. Como se houvesse um país que tudo pode à custa do país grande, e um país grande que de nada sabe, apenas paga -também sem saber.
Marcado para terça-feira, o leilão entre dois consórcios, para decidir o vencedor da obra e da exploração da hidrelétrica, ainda está sujeito à suspensão por medida judicial. O juiz Jirair Aram Meguerian cassou a liminar que sustava o leilão, mas Renato Brill de Góes, procurador da República, dispôs-se a recorrer para que a palavra judicial seja, ao menos, da Corte Especial do Tribunal Regional Federal de Brasília, e não individual. Adiar o leilão, porém, é apenas um recurso temporário e incapaz de deter a vontade autoritária, para que a decisão final surja do confronto entre a pressa interessada do governo e as evidências contrárias à hidrelétrica.
Os R$ 19 bilhões de custo da usina são uma alegação falsa do governo. Seria, se fosse real, o custo da usina em si. Mas há o custo de infraestrutura da região, os custos adicionais de transmissão da energia, e, claro, os reajustes. A proibição contratual dos reajustes pode impedir certas elevações, mas não, por exemplo, as de imprevistos decorrentes -é certo que haverá- da falta de conhecimento pleno da geologia local para o projeto.
O custo alegado da usina para o país é falso ainda porque não inclui os grandes e duradouros subsídios dados pelo governo aos construtores/concessionários. Não inclui a perda do BNDES, que financiará com juros privilegiados 80% do custo da hidrelétrica, caso o dinheiro se destinasse a outros projetos. E não inclui, também, o prejuízo federal do repasse de dinheiro ao BNDES, pelo governo, abaixo do custo de captação. Por fim, é falso porque a graciosidade do financiamento não se limitará aos 30 anos alegados, mas, a custo tão baixo para o devedor, as prorrogações habituais o levarão a um bom meio século.
Você sabe quem pagará tudo isso? Não importa. Pagará sabendo ou não.
O fato de ser a terceira maior hidrelétrica do mundo não justifica tudo? É outra falsificação. Grande, no caso, pode ser o represamento, sobre a floresta amazônica e zonas hoje habitadas, mas não em geração de energia. Mesmo considerando médias anuais, os números do governo são pífios em relação ao gigantismo da obra e seu custo (financeiro, social e ambiental). E os números se arruinam em definitivo ante a realidade de que, no estio, a redução do volume de água vai se refletir em redução da energia gerada. Indústrias, transportes, comércio e moradias não sustam sua necessidade de energia por causa de estio periódico.
Muitas obras do PAC são do mesmo gênero de Belo Monte, boa parte escolhida ou precipitada por motivo eleitoral. São bilhões sem conta. Outros bilhões, muito misteriosos, são as dezenas aplicadas em armamentos, bases e projetos militares. Como se houvesse um país que tudo pode à custa do país grande, e um país grande que de nada sabe, apenas paga -também sem saber.
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