Trem-bala virou uma coisa muito estranha
ELIO GASPARI
FOLHA DE SÃO PAULO - 18/04/10
O comissariado quer fechar um negócio de R$ 34,6 bilhões durante a campanha eleitoral, em fim de governo
NOSSO GUIA precisa congelar as iniciativas destinadas a apressar a concorrência para a construção de um trem-bala ligando o Rio de Janeiro a São Paulo e Campinas. Deve fazê-lo porque não fica bem para um presidente com poucos meses de mandato decidir a contratação de uma obra de R$ 34,6 bilhões. Trata-se de um ervanário equivalente à construção de 170 quilômetros de metrô, sabendo-se que as malhas de São Paulo e do Rio somam apenas 104 quilômetros. Se o Grande Mestre persistir, criará a última encrenca de seu governo, ou a primeira do mandato seguinte.
O projeto do trem-bala poderia ter sido uma joia da coroa da política de investimentos do atual governo, mas transformou-se num almanaque de má gestão, improvisações e leviandades.
Em 2007 o Tribunal de Contas recebeu um projeto que quase certamente concederia a obra ao consórcio italiano Italplan. Ele prometia entregar o trem sem pedir um tostão à Viúva. A obra começaria no ano seguinte, estaria pronta em 2016 e custaria em torno de R$ 9 bilhões. O TCU estudou a matemática do projeto e salvou a Viúva, chutando a bola para fora. Estava tudo errado, da estimativa dos custos à previsão da demanda.
Pior: o trem sairia do Rio e, 90 minutos depois, chegaria a São Paulo, sem qualquer parada. Não há no mundo trem de alta velocidade que faça um percurso de 400 quilômetros sem estações intermediárias.
O governo passou o assunto ao BNDES, e os estudos recomeçaram do zero. Mesmo assim, o voluntarismo do Planalto incluiu o trem-bala no PAC. Se o BNDES estava estudando a viabilidade da obra, a cautela sugeria que se esperasse a conclusão da análise. A esta altura, felizmente, a linha havia sido estendida a Campinas.
No início de 2009 a estimativa do custo do trem-bala pulou para R$ 11 bilhões, prevendo oito paradas, uma delas em São José dos Campos. A linha ficaria pronta a tempo de transportar as torcidas da Copa de 20014. Lorota total.
O Tribunal de Contas recebeu há pouco um novo projeto, no qual o custo está em R$ 34,6 bilhões. Desfez-se a fantasia do financiamento privado. Os empreiteiros e fornecedores de equipamentos entram com 30% dos recursos, e a Viúva fica com 70% da conta, quase toda financiada pelo BNDES, com recursos do Tesouro. Os interessados também querem que haja uma garantia da demanda de passageiros por meio de subsídios ou de mágicas financeiras. A tarifa, que começou em R$ 103 e agora está liberada, sob um teto de R$ 206 na classe econômica do trecho Rio-SP.
Técnicos do BNDES que estudaram o projeto viram que um trem para o percurso Rio-São Paulo-Campinas, consumindo R$ 11 bilhões em túneis, é obra de prioridade discutível. Pelas contas de hoje, o trem-bala seria um bom negócio no eixo Campinas-São Paulo-São José dos Campos, mas a prioridade de uma obra dessas poderia ser discutida com o arquiteto Hemiunu, aquele que construiu a pirâmide de Quéops.
Num governo com oito meses de vida e com um candidato oposicionista que não acredita no trem-bala, soa estrondosa a revelação feita à repórter Maria Cristina Frias por Dilma Rousseff, sob cuja coordenação está o projeto: "A primeira fase vai até São José dos Campos, que tem um aeroporto de porte internacional. (...) Além disso, você revitaliza Viracopos". Ou seja, um trem-bala que iria do Rio a São Paulo irá de Campinas e São José dos Campos. Como esse será o trecho barato da obra física (noves fora a compra bilionária de trens e equipamentos), sobrará para o futuro o caroço dos túneis e das pontes na Serra do Mar.
O governo levou dois anos para desfazer a lambança do projeto de 2007. Agora, quer apressar o Tribunal de Contas para iniciar a licitação em maio, em plena campanha eleitoral, com todas as ansiedades e promessas típicas desses períodos. Quem achar que há algo de estranho nisso pode ter certeza: há algo muito estranho nisso.
EXEMPLO
A propósito do texto "O apagão moral da Febraban durou 24 horas", publicado aqui na semana passada, o presidente da Federação Brasileira de Bancos e seus dois vice-presidentes enviaram a seguinte correspondência ao signatário:
"A Febraban lamenta profundamente e pede desculpas pela nota distribuída na terça-feira da semana passada (dia 6 de abril), quando da tragédia ocorrida no Rio de Janeiro. Foi observado apenas o lado contratual da cobrança de contas de terceiros, quando a dimensão da tragédia requeria maior clareza sobre nosso apoio em momento tão difícil.
Sua crítica foi correta e tenha certeza de que nos empenharemos em impedir que o episódio se repita, persistindo em nosso compromisso com a transparência, o diálogo e o comprometimento com a sociedade
Fabio C. Barbosa, presidente; José Luiz Acar Pedro, vice-presidente;
Marcos de Barros Lisboa, vice-presidente"
EFEITO MARINA
Quando Lula diz que espera eleger Dilma Rousseff no primeiro turno está informando o seguinte: no segundo turno, um apoio de Marina Silva a José Serra poderá decidir a disputa.
CIRO SABE
Em seu desabafo contra o PSB, cujo comando negaceia o apoio a sua candidatura a presidente, Ciro Gomes disse o seguinte: "O que é o PSB? Um ajuntamento como tantos outros ou a expressão de um pensar audacioso e idealista sobre o Brasil?" O Partido Socialista Brasileiro é aquele que tem como filiado e candidato ao governo de São Paulo (com o apoio de Ciro) o empresário Paulo Skaf, presidente da Fiesp.
NO PÁREO
Por mais que seja conhecida a preferência de Nosso Guia pelos caças Rafale, o governo americano passou a acreditar na possibilidade vender seus modelos da Boeing.
LULA E DEUS
Durante os piores dias da inundação do Rio, Nosso Guia pediu a Deus que tirasse as chuvas do Rio e as levasse para o Nordeste seco. Ainda bem que não se pode garantir que o Grande Mestre tem linha direta com o Padre Eterno. Se tivesse, poderiam responsabilizá-lo pela enchente de Salvador e de 40 municípios do Recôncavo.
PERIGO REAL
Para quem suspeita que terrorismo nuclear é coisa séria:
Osama Bin Laden encontrou-se em 2001 com o cientista paquistanês Sultan Bashiruddin Mahmood, um homem de fortes convicções religiosas. Os americanos foram atrás dele e conseguiram interrogá-lo em segredo. Na conversa com Mahmood, Osama disse-lhe que tinha conseguido (possivelmente no Uzbequistão) uma pequena quantidade de urânio enriquecido. De fato, em 1993 a Al Qaeda pagou US$ 1,5 milhão por um cilindro que continha urânio. Levou algum tempo para descobrir que caíra num conto-do-vigário, ou num conto-da-CIA. Em 2003, a CIA pôs a mão em 170 gramas de urânio enriquecido a 93% (puro para uma bomba, mas em quantidade insuficiente para uma explosão). O combustível saíra de um depósito russo e chegara à Geórgia. Três anos depois, na mesma rota, apareceu mais uma carga, vinda da mesma rede de contrabandistas.
A boa notícia: entre a posse de algo como 20 quilos de urânio enriquecido e uma explosão, vai enorme distância.
Nenhum comentário:
Postar um comentário