Uma obra da engenharia civil, salvo em casos de imprevisíveis desastres naturais, não desmorona sem antes emitir sinais, que isoladamente podem nada significar, mas que, no conjunto, constituem evidências de algum comprometimento.
Por analogia, o tecido institucional brasileiro vem revelando disfunções que, conquanto não sinalizem uma indesejada ruptura, inviabilizam, no médio prazo, qualquer perspectiva de desenvolvimento e paz social. São as microrrupturas institucionais. Destaco alguns dessas disfunções.
A Constituição de 1988, por uma manobra política, afastou-se da pretensão originalmente parlamentarista para fixar-se no presidencialismo, sem dispensar, contudo, instrumentos próprios daquele regime, como a Medida Provisória, que findou sendo uma versão piorada do execrado Decreto-lei.
Os requisitos de relevância e urgência da Medida Provisória jamais foram verdadeiramente apreciados no Legislativo, exceto em raríssimos episódios com incidental motivação política.
Esse instituto desmotivou a iniciativa de projetos de lei no âmbito do Legislativo e ensejou, na aprovação dos projetos de lei de conversão, uma abjeta barganha para liberação das emendas parlamentares.
A essa disfunção juntou-se o ativismo judicial, que prospera em virtude da mora legislativa, como no disciplinamento da greve no setor público, e de princípios constitucionais demasiado abertos, sem regras que fixem sua aplicabilidade para casos concretos, como no acesso aos serviços públicos de saúde, cuja judicialização encerra, frequentemente, conflitos com o princípio universal da escassez.
O ativismo judicial aprimorou-se a ponto de dispor sobre normas regimentais do Legislativo, ainda que não raro estimulado por demandas dos parlamentares insatisfeitos com reveses em sua própria Casa.
Apenas para argumentar, qual seria a reação se a algum parlamentar ocorresse a insana ideia de, mediante lei, estabelecer regras aplicáveis aos regimentos do Judiciário?
São kafkianas as normas processuais aplicáveis à responsabilização do Presidente da República, nos crimes de responsabilidade e nas infrações penais comuns de que tratam os arts. 85 e 86 da Constituição.
O processo de impeachment da deposta Presidente Dilma foi uma tediosa e infindável sequência de julgamentos burocráticos, que beiravam o ridículo.
De igual forma, as acusações recentes contra o Presidente Temer revelam um poder desproporcional do Chefe do Ministério Público Federal, capaz de paralisar o País ao promover um patético julgamento político, com enormes e desnecessários custos para o País.
Acompanhando uma tendência mundial, acolhemos, na legislação pátria, instrumentos poderosos de combate à corrupção, com especial destaque para a colaboração premiada e para os acordos de leniência.
É certo que a colaboração premiada permitiu desmontar organizações criminosas enraizadas na administração pública brasileira, mas não se pode esquecer que é tão somente um instrumento de investigação.
Quando procedente a colaboração, a premiação deveria seguir parâmetros objetivos a serem aplicados pela Justiça, vedada qualquer possibilidade de “indulto”.
Lamentavelmente, ela é, quase sempre, acompanhada de vazamentos, autorizados ou não pela Justiça, confundindo a sociedade que a entende como prova.
Os vazamentos se inserem em um ambiente de espetacularização, que assume enredo de novela animada por uma mórbida alegria popular pela desgraça alheia (Schadenfreude, em alemão).
Quando a colaboração se revela ineficaz, por ausência de prova, transparece para a sociedade que houve impunidade.
Acordos de leniência, por sua vez, estão envoltos em furiosos conflitos corporativos, que comprometem seus objetivos. A pertinente legislação é malfeita e demanda revisão.
São muitas as microrrupturas institucionais. Em algum momento, é preciso dar curso a um preventivo processo de repactuação dos limites dos Poderes e dos instrumentos de combate à corrupção, sem receio das previsíveis e indevidas reações corporativas.
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