domingo, agosto 10, 2014

Há que fazer - AMIR KHAIR

O ESTADO DE S.PAULO - 10/08


O modelo econômico que vem sendo adotado no País desde o Plano Real é o de subordinar as decisões econômicas ao fantasma da inflação, apesar de ter passado vinte anos de vida deste plano.

Para combater a inflação, o Banco Central usa dois instrumentos principais: baixa liquidez e alta taxa básica de juros. A primeira, uma das mais baixas do mundo, exerce a função de encarecer o crédito para esfriar o consumo. A segunda atrai o capital especulativo internacional, inundando o mercado de dólares e, com isso, apreciando o câmbio para baratear as importações. Só de juros, esse capital leva US$ 10 bilhões todo ano, e os sucessivos governos vivem cortejando-o, com Selic elevada e isentando-o de impostos.

O Plano Real deu certo ao baratear as importações, fazendo o câmbio apreciar. Contribuiu mais ainda para baratear as importações a decisão, pouco lembrada, do então Ministro da Fazenda Ciro Gomes, que numa canetada derrubou as tarifas de importação. O Plano Real sem isso poderia fracassar.

A âncora cambial é o instrumento que o Banco Central adota para segurar os preços internos barrados pelos externos, que são subsidiados pelo câmbio irreal. A consequência dessa política de controle da inflação é jogar no lixo qualquer tentativa de crescimento econômico, pois a expansão do consumo das famílias acaba sendo atendida em boa parte pelo produto importado, o que reduz o Produto Interno Bruto.

Para retomar o crescimento, é necessário mudar esse modelo econômico, deixando de subordiná-lo a essa política de controle inflacionário. Isso não significa, no entanto, que se deixará de preocupar com o controle da inflação. Pelo contrário, esse controle se fará sem jogar por terra o crescimento econômico. E isso é possível? Creio que sim. Vejamos.

A maior parte dos países no mundo consegue conviver com razoável crescimento econômico e baixa inflação. A globalização deu golpe mortal na escalada sem controle de preços devido ao acirramento da concorrência. Não há mais casos de hiperinflação como antigamente. Além disso, avanços no comércio eletrônico, ainda pouco usado por aqui, e na logística tendem a puxar os preços para baixo. Os consumidores são beneficiados ao verem ampliadas suas opções de compra.

Esse processo está longe de ser esgotado e a tendência é continuar a expansão do comércio eletrônico, os avanços tecnológicos e na logística, buscando atender as exigências crescentes dos consumidores. Há busca frenética por redução de custos e preços em escala internacional.

Por aqui, ao invés de contenção da demanda para conter a inflação, que tem sido o carro-chefe da visão monetarista, o que se impõe é a elevação da oferta pelo estímulo ao investimento e a produção. O realismo cambial cumpre papel importante no rol de estímulos à produção. Competir no mercado brasileiro, tendo o empresário contra si a alta carga tributária e de juros, a burocracia em excesso e insumos básicos com preços bem acima do padrão internacional, é missão ingrata. Se ainda por cima é encurralado pelo câmbio, esse empresário tem de jogar a toalha na lona e cair fora para escapar da falência. Não há inovação nem produtividade que resista a esse ambiente.

O combate à inflação tem de ser feito não pela contenção do consumo, mas sim pela ampliação da oferta, que só se consegue com políticas firmes de estímulo ao crescimento e de redução dos custos de produção, com destaque para preços mais competitivos nos insumos básicos, o que envolve nova política tarifária para a importação, expondo os monopólios que dominam esses insumos à competição internacional. Chega de proteção do governo a eles.

É fundamental na política de crescimento econômico e de controle da inflação saber usar da vantagem estratégica que dispõe o País na produção de alimentos. Ao reduzir seus preços, amplia o poder de compra de vastas camadas da população, que passa a consumir mais e melhor e com isso atrai a oferta, gerando produção e investimento. O preço dos alimentos nos últimos quatro anos cresceu por ano 9,0% e elevou o IPCA em 2,2 pontos porcentuais numa inflação média anual nesse período de 6,0%, ou seja, por 37% da inflação. Caso isso não tivesse ocorrido, a inflação média no período teria sido de 3,8% (!), abaixo do centro da meta de 4,5%.

Existem várias políticas de redução de preços dos alimentos. Entre elas, as exitosas em várias prefeituras que procuram aproximar produtores de consumidores eliminando/reduzindo a intermediação onerosa que responde por parcela importante dos preços. Trata-se de estimular políticas de abastecimento a nível local, e aí devem ser cobrados os prefeitos que ainda não se preocuparam com a questão do abastecimento. O resultado dessa política traz maior ganho ao produtor e menor preço ao consumidor.

Os governadores de Estado devem ser cobrados pelo excesso que causa nos preços o pior tributo do País, que é o ICMS, com alíquotas elevadas. Majoram entre 20% e 40% os preços dos alimentos, vestuário e demais produtos de consumo, além das contas de telefone, energia elétrica, gasolina, diesel e demais combustíveis.

Outra política de combate à inflação e, mais importante ainda, de redução dos preços da economia é atuar na redução de custos comerciais, financeiros e tributários nos bens e serviços que afetam o orçamento doméstico de amplas camadas da população. Além dos alimentos, o transporte coletivo, a moradia, os medicamentos, etc. Ao reduzir custos, há o impacto sobre os preços e abre o espaço para novos consumos, o que ativa o crescimento.

Enfim, não faltam políticas de fácil e rápida implementação que podem permitir o relançamento da economia com maior estabilidade de preços. Há que fazer!

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