segunda-feira, janeiro 07, 2013

Chavismo, Lulismo e El Cid - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO


O Estado de S. Paulo - 07/01


Eles foram populistas popu­lares na mesma época e, de tanto poder, intitularam livros que juntaram um "ismo" ao final de seus nomes. O sufi­xo implica um líder acima dos parti­dos, conduzindo multidões anos a fio. Ambos lideraram movimentos populares, mas quão duradouros? Por vias diversas, os legados de Hu­go Chávez e Luiz Inácio Lula da Sil­va estão à prova.

Nem todo governante que des­fruta de popularidade em algum momento do mandato acaba subs­tantivo. A "Era FHC" virou título de livro sem que houvesse um "fernandohenriquismo". A herança do tucano foi estruturante para o Bra­sil, mas impessoal. Crismando Aécio Neves, o ex-presidente tenta reescrever seu testamento.

O personalismo é um divisor entre presidentes. Chávez levou a mitificação ao limite. O congênere brasileiro ficou a meio termo. Lula adotou a conti­nuidade sem continuísmo. Já o venezuelano apostou que nunca viria a faltar.

Afora o simbolismo, o tratamento em Cuba oferece mais do que qualidade mé­dica. Garante sigilo e provoca boatos contraditórios sobre a saúde de Chá- vez. A opacidade serve ao modelo cubano-chavista. Se houvesse transparên­cia, seria mais difícil sustentar a versão de que o presidente reeleito pode ter sua posse adiada por não se configurar a "ausência permanente" que - manda a Constituição da Venezuela - provoca­ria nova eleição.

No Twitter, venezuelanos compa­ram a situação do "chavismo" à dos castelhanos que criaram o mito de El Cid. Pela lenda, o corpo sem vida do cavaleiro símbolo da reconquista ibérica foi assentado em sua montaria para parecer imortal e afugentar os ini­migos. A metáfora é tentadora, embo­ra precipitada. No Brasil, a prática de congelar presidentes está, felizmen­te, superada.

Antes de Lula, só o "getulismo" du­rou além de Vargas, após se espalhar de sul a norte. Seus fiéis trataram de cumprir a profecia do líder de que, ao deixar a vida, ele entraria na história. Os demais caciques ficaram limitados no espaço - como as tribos de carlistas, malufistas e brizolistas - ou no tempo: o "janismo" não sobreviveu a seu inspirador.

Os "ismos" colam bem em espanhol. A Argentina saiu do "peronismo" para cair no "kirchnerismo". Em ambos os casos,a popularidade do marido foi her­dada pela viúva. No Brasil, a transição pela via feminina se deu em vida. Mas o sucesso inicial não responde à questão de sempre: por quanto tempo?

Chávez não deixa uma, mas dezenas de herdeiros, de concepções diferen­tes. Eles propagandeiam união, só por conveniência da possível eleição que se avizinha. Mesmo que ganhem, o que será um governo "chavista" sem Chávez? Prevalecerá o militarismo na­cionalista dos ex-oficiais do Exército tornados políticos? Ou o socialismo pró-Cuba do vice-presidente e supos­to sucessor?

As contradições são mais do que apa­rentes. Enquanto o presidente da As- sembleia Nacional, Diosdado Cabello, passa o rolo compressor na oposição parlamentar e imita os arroubos de Chá­vez ("Estamos prontos para o debate, mas não paraa negociação"), seu rival, o vice Nicolás Maduro, conversa discreta­mente com os EUA para restabelecer relações diplomáticas plenas.

O "chavismo" ainda precisa passar pelo teste das urnas sem o nome de Chávez entre os candidatos. O "lulismo" passou. Mais do que isso, incorpo­rou milhões de eleitores pobres ao petismo ao longo da última década. Numericamente, o legado de Lula su­perou o que o PT perdeu por causa do mensalão.

Segundo o Ibope, o PT saiu de 8% da preferência nacional em julho de 1989 para 33% em março de 2010. A trajetória de crescimento teve altos, associados às vitórias eleitorais de Lula (33% em março de 2003 e 2010), e baixos, durante a denúncia e julgamento do mensalão (24% em junho de 2005 e outubro de 2012). No caminho, mudou o perfil socioeconômico dos petistas. A nova clas­se média tomou espaço da elite sindical-universitária.

A mágica que popularizou o PT foi o aumento de renda e crédito que in­cluiu dezenas de milhões de neoconsumidores ao mercado nacional. O PSDB finalmente se deu conta de que não há como fazer oposição sem con­frontar o petismo na economia. Daí conduzir o debate para os baixos índi­ces de crescimento do PIB em detri­mento, por exemplo, da queda das taxas de desemprego.

No Brasil e na Venezuela, a bata­lha é pela opinião pública. A diferen­ça é que Dilma Rousseff cavalga ao lado do padrinho vivo, enquanto os herdeiros de Chávez manobram à sombra de El Cid.

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