quinta-feira, outubro 13, 2016

A segunda bala de prata - RAUL VELLOSO

ESTADÃO - 13/10

Há uma solução adicional para resolver o problema das contas públicas



Não é moleza aprovar propostas que atinjam muitos interesses específicos por trás do orçamento público, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Teto do Gasto, até aqui a bala de prata do governo Temer. Basicamente, esta PEC proíbe o crescimento dos gastos totais federais por 20 anos, a não ser pela taxa de inflação, com ressalvas. Em troca, promete-se equilíbrio macroeconômico a médio prazo, algo difuso e pouco compreendido, especialmente quando não há a escassez aguda de dólares das crises fiscais anteriores.

De 2004 a 2008 a despesa federal crescia a 9% ao ano, em média, acima da inflação. Os altos superávits de antes só se mantiveram porque a receita cresceu à mesma taxa. Era o boom de commodities, que se foi. Na sequência da crise de 2009, a receita desabou, rapidamente voltou a crescer como antes e, logo depois, passou a cair celeremente à medida que a recessão foi se aprofundando. Só que, do lado do gasto, o crescimento real se manteve alto. A média de 2009 a 2015 só caiu para 6,4% porque o peso dos gastos vinculados ao salário mínimo é muito alto e este, pela regra em vigor, cresce menos quando o PIB desaba. Em suma, parece que o regime legal brasileiro foi construído apenas para aumentar o gasto.

A emenda do governo é muito boa para gerar confiança macro. Mas cada pedaço do Orçamento se sentirá atingido, inclusive – e especialmente (por serem objeto de ajuste específico) – áreas como saúde e educação, prioridades óbvias a preservar. Daqui a pouco surge um movimento “todos contra a PEC”, este sim o pior dos mundos.

Para completar a tempestade perfeita, o grosso dos Estados quebrou. O Rio, joia da coroa estadual especialmente após a Olimpíada, já está vivendo a calamidade pública decorrente. Sem equacionamento, São Paulo, que é o eterno líder na geração de superávits estaduais, caminha também para isso. A face visível da crise são as pessoas, empresas, etc., deixarem de receber em dia, cada vez com maior intensidade. Já voltarão as cenas do início do ano, de aposentados com receitas de remédio que não conseguem aviar.

É preciso pôr o foco, então, no lugar certo. O xis da questão fiscal no Brasil é o gasto muito elevado e desigual com Previdência, especialmente a pública, abrangendo a União e todos os Estados da Federação. No caso da pública, o pagamento médio a apenas 4,2 milhões de beneficiários é da ordem de R$ 5.108 por mês, enquanto no INSS, em que há 28,3 milhões, estes recebem, em média, R$ 1.356/mês. Por esta dimensão, devemos direcionar novas baterias para resolver esse problema, definindo um alvo em que o ajuste tem como ser mais bem justificado: a milionária Previdência pública brasileira.

Outra faceta impressionante dessa mesma história é ver órgãos dos chamados Poderes Autônomos (Legislativo, Judiciário, Ministério Público, TCU e Defensoria Pública) divulgarem documento defendendo que a PEC do Gasto é inconstitucional. Mas ela não é uma emenda à Constituição? Ou seja, parecem interpretar que o dispositivo que lhes confere autonomia financeira e administrativa também lhes dá indulgência para não respeitar a velha restrição orçamentária junto com o Poder Executivo.

Outro problema é que tanto os Poderes Autônomos como os lobbies de educação e saúde conseguiram excluir da responsabilidade de seus orçamentos cativos os pagamentos dos seus próprios inativos e pensionistas. Com isso o limite do gasto de pessoal da Lei de Responsabilidade Fiscal virou letra morta e os governadores, alvos fáceis das críticas ao desajuste fiscal, tiveram de assumir a responsabilidade pela conta total dos inativos e pensionistas, algo que não têm condições de fazer com seu suborçamento residual, que representa apenas 40% da receita total e tem de cobrir áreas tão importantes como segurança pública e os investimentos em infraestrutura.

Há uma bala de prata adicional para resolver tudo isso. Sem espaço aqui, sugiro consulta à proposta que estou elaborando com o colega Leonardo Rolim e apresentei ao Senado na semana passada, disponível em vídeo emraulvelloso.com.br e em inae.org.br.

*É consultor econômico

Um comentário:

flavio aragon disse...

Uma dúvida natural: O cálculo da inflação será confiável? Em 20 anos dá pra "fazer o diabo"!