SÃO PAULO - O cérebro é um órgão esquisito. Ele opera por contiguidade. Se eu o submeto a um estímulo negativo e, ao mesmo tempo, apresento-o a uma ideia ou objeto novos, ocorre uma espécie de contaminação e a nova representação fica marcada como algo ruim, ainda que nem saibamos explicar por quê.
Dilma Rousseff e os petistas buscam valer-se desse mecanismo ao descrever reiteradamente o impeachment como golpe. Dilma teve a cautela de distinguir o que ela chama de golpe parlamentar do golpe militar clássico. No primeiro, ela mesma admitiu, não ocorre a violências física e institucional associada ao segundo.
De fato, mesmo entre os que consideram o impeachment golpe, poucos hão de julgar crível um cenário em que o governo Temer revogue garantias fundamentais, censure a imprensa ou suspenda eleições. Assim, pelo próprio raciocínio dilmista, o golpe que estaria em curso não teria nenhuma das principais características negativas que atribuímos aos golpes. Acho importante destacar essa diferença, que tende a ser escamoteada pelos mecanismos de contaminação semântica com que o cérebro opera, para que nenhum neurônio desavisado pense que Temer está em vias de torturar pessoas.
Mas Dilma e os petistas estão certos ao chamar o impeachment de golpe? Eu diria que eles têm todo o direito de considerar o processo forçado, até o limite da farsa, mas me parece formalmente errado tachá-lo de golpe. É que, para fazê-lo, é preciso formar um juízo de valor sobre o mérito das acusações —o que é perfeitamente legítimo— e, simultaneamente, tirar do juiz natural a possibilidade de emitir um veredicto diferente deste –o que já não funciona tão bem.
O que caracteriza a democracia é justamente a utilização de processos formais para a solução de conflitos, e a regra do impeachment estabeleceu, já desde 1891, que cabe exclusivamente ao Senado julgar o presidente nesse tipo e acusação.
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