VALOR ECONÔMICO - 31/08
O país não precisa ter tantas instituições oficiais para oferecer financiamentos subsidiados
O governo apontará em breve as empresas estatais que serão objeto de privatização ou concessão nos próximos anos. Esse anúncio retoma o processo que teve início na década de 90 e foi desacelerado nos últimos anos. A expectativa é de que essa decisão marque também o fim dos ciclos de aumento da intervenção do Estado na economia e de criação de empresas estatais. Definitivamente, o governo precisa interromper esse processo. Mais do que isso, é necessário promover uma reestruturação da ação do Estado, inclusive reduzindo o número de empresas controladas pelo setor público.
A concessão de subsídios por diferentes órgãos públicos não é um fato novo. Todavia, a escalada recente desses privilégios foi desenfreada, sendo uma das principais causas da deterioração fiscal e, consequentemente, da recessão sem precedentes no país. É crucial que os exagerados subsídios e renúncias tributárias sejam reavaliados e reduzidos. As evidências sugerem que essa oferta não gerou nenhum benefício palpável em termos de crescimento dos investimentos e, muito menos, de alta da produtividade.
O governo precisa eliminar vazamentos descontrolados de recursos públicos. Essa será uma tarefa bastante complexa. A dificuldade de avaliar esses benefícios está associada, em parte, à grande quantidade de programas de governo que atendem clientes e projetos similares e, também, ao número elevado de órgãos públicos e instituições financeiras controladas pelo governo intermediando essa oferta.
Seria apropriado que o conjunto das empresas passíveis de privatização também incluísse alguns bancos e órgãos públicos que oferecem financiamentos subsidiados. O país não precisa ter tantas instituições oficiais com essa função. Não faz sentido ter mais de um organismo federal oferecendo vantagens financeiras para os mesmos clientes e projetos. Isso dificulta o correto dimensionamento desses subsídios, intensifica as distorções alocativas, diminui a transparência sobre o uso de recursos públicos e não traz nenhum ganho de eficiência.
Cabe ao Executivo adotar controles mais rígidos, de forma a direcionar cada tipo de benefício por apenas uma instituição federal e a impedir que os mesmos empreendimentos captem privilégios financeiros de diversas fontes oficiais. Essa estratégia resultaria na incorporação ou fusão de alguns órgãos, na privatização de uma parte ou da totalidade de outros e, em última instância, no fechamento de alguns deles.
A atual duplicidade na oferta de recursos escassos do setor público diminuiria bastante caso o governo definisse melhor a atribuição específica de cada instituição. Por exemplo, o financiamento subsidiado para o custeio da safra agrícola e para investimentos na agricultura poderia ser canalizado apenas pelo Banco do Brasil. Do mesmo modo, a vasta experiência da Caixa no apoio a programas de governo, como os empréstimos imobiliários com recursos públicos, inclusive do FGTS, o atendimento à população carente (e.g., pagamento do Bolsa Família) e o financiamento a projetos no âmbito municipal (e.g., área de saneamento básico), é um sólido argumento para que esses programas sejam oferecidos exclusivamente por essa instituição.
Finalmente, não se justifica conceder financiamentos com condições mais favoráveis do que as de mercado para empresas nos setores industrial, de serviços e de infraestrutura, bem como no programa de privatização, por outro órgão que não o BNDES. Ademais, o BNDES é o organismo público mais indicado para gerir o FI-FGTS.
À luz dessa especialização, o governo precisa repensar a atuação de alguns bancos federais. Seria apropriado transferir, por exemplo, várias atividades do BNB e do BASA, relativas aos financiamentos subsidiados com recursos públicos, para o BB, a Caixa e o BNDES. As demais partes do BNB e do BASA, mais relacionadas à atuação bancária normal, inclusive como agentes financeiros do BNDES, não são estratégicas e podem fazer parte do programa de privatização do governo federal. Argumentações regionais não são sólidas o suficiente para justificar a manutenção de suas estruturas.
No caso de não serem passíveis de privatização, o que abre espaço para questionamentos diversos, o adequado seria que essas instituições fossem absorvidas pelos outros bancos federais. No mínimo, isso aumentaria a eficiência na utilização de recursos públicos.
Essa reestruturação também faz sentido para outras agências federais. Um exemplo é a Finep, que também concede financiamentos a empresas e instituições de pesquisa. Ao menos parte das funções da Finep e do BNDES são coincidentes, como apoiar empresas de base tecnológica, implantar parques tecnológicos e apoiar operações de mercado de capitais. Nesse contexto, faz todo sentido o BNDES incorporar a Finep. Também aqui, haverá lobbies favoráveis à manutenção da arquitetura atual, com justificativas pontuais. Todavia, esses eventuais obstáculos são contornáveis.
A multiplicidade de órgãos com funções coincidentes torna o controle de recursos públicos e a alocação de subsídios ainda mais difíceis e ineficientes. A unificação das portas de atendimento reduziria custos para as empresas, que concentrariam a submissão de seus projetos para a obtenção de apoio oficiais apenas a uma instituição específica. Essa estratégia também aumentaria a coordenação das políticas públicas, muitas vezes prejudicada pelo emaranhado de ações de estatais e órgãos públicos.
Essa reestruturação faz parte de uma agenda mais ampla de reformas microeconômicas, que precisa ser retomada com urgência. Está mais do que na hora de definir o papel e um menor e mais equilibrado tamanho do Estado, que garantam uma maior eficácia das políticas do governo e um menor desperdício de recursos públicos.
Nilson Teixeira, economista-chefe do Credit Suisse (Brasil), é Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia
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