A mitologia do "golpe" se ampara na ideia de que as "pedaladas" se justificariam para manter o crescimento e o emprego. Reconhece, portanto, a ilegalidade da ação (a vilipendiada Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe operações de crédito entre o governo e seus bancos), mas argumenta se tratar de política com fins nobres: impedir a recessão e garantir que a população permanecesse ocupada.
Há vários problemas com o argumento. A começar pela contumaz noção de que fins justificam os meios, possibilitando a destruição do aparato institucional em nome de presumidos ganhos imediatos. Mesmo que estes se materializem —o que está longe de ser verdade—, não raro as consequências para a capacidade de expansão de longo prazo são desastrosas, em linha com nossa experiência recente.
Diga-se, aliás, que o objetivo, vendido como nobre, era bem mais mundano, a saber, ganhar uma eleição, nem que à custa de "fazer o diabo", posição tornada explícita ao longo do processo.
Isto dito, há sérias dúvidas acerca da adequação dessa política. Em primeiro lugar porque, conforme discutido mais vezes do que seria saudável neste espaço, em 2013 e em 2014, quando se usou e abusou desse expediente, estava mais do que claro que o problema da economia brasileira não era a falta de demanda originária da crise internacional (já então o mundo crescia bem mais do que nós), mas sim os sérios gargalos do lado da oferta, incluindo o mercado de trabalho.
Naquele contexto, aumentar gastos iria simplesmente agravar nosso desequilíbrio externo (e o agravou, trazendo o deficit em conta-corrente de US$ 75 bilhões para US$ 105 bilhões) e elevar ainda mais a inflação, apesar dos controles de preços, o que também ocorreu.
Junte-se a ambos esses desequilíbrios o forte aumento da dívida pública no período e fica claro que a política econômica da época, além de ineficaz para elevar o crescimento, era também nitidamente insustentável para qualquer economista que não fosse signatário do manifesto de apoio à presidente às vésperas da eleição.
Não faz tampouco sentido o raciocínio (se cabe aqui a expressão) que atribui ao excesso de responsabilidade fiscal a queda da presidente.
Em primeiro lugar porque, sendo a política anterior insustentável, não havia alternativa que não passasse pela correção dos desequilíbrios fiscais. Ao contrário, a crise que resultaria da manutenção da Nova Matriz, hoje uma pobre órfã, faria a atual parecer não mais que mera desaceleração econômica.
Mais importante, porém, a modestíssima contração fiscal que se materializou em 2015 dificilmente justificaria a queda observada do PIB. Ajustado ao padrão sazonal, o produto encolheu cerca de 6% entre o quarto trimestre de 2014 e o primeiro de 2016 (quase R$ 100 bilhões a preços do primeiro trimestre deste ano). Já o consumo do governo no mesmo período caiu menos do que 2%, ou R$ 5,5 bilhões no mesmo período.
Conforme notado por Samuel Pessôa, não há valores plausíveis para o multiplicador fiscal que justifiquem tamanho colapso econômico.
Trata-se, na verdade, de mais um episódio da notória desonestidade intelectual dos keynesianos de quermesse a serviço de um projeto político. Se há algo de bom no atual governo, é a certeza de que eles estão longe da condução da política econômica.
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