GAZETA DO POVO - PR - 21/12
As perplexidades de junho estão esquecidas, não serviram para coisa alguma. Completado o primeiro semestre da difícil convivência com a humildade, nossos governantes fazem questão de exibir a mesma arrogância e idêntica desatenção ao atendimento das expectativas populares.
Depois dos sacolejos produzidos pelas manif (como dizem os franceses quando se referem às manifestações) e na véspera de um agitado ano eleitoral, as agendas políticas parecem totalmente desconectadas da realidade. O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, marinheiro de primeira viagem e talvez por isso mais sensível, é o único que demonstra não ter esquecido o susto. Priorizou o transporte público e, na esfera da sua competência, esforça-se para diminuir o terror e a tortura da imobilidade urbana.
Logo saberemos se a sua terapia é eficaz ou paliativa, se as opções oferecidas são substantivas ou cosméticas. O importante é perceber que a maior metrópole do país não finge de avestruz: está intensamente envolvida no debate acionado por um movimento de proporções inéditas e natureza imprecisa – portanto, inconcluso.
O contrário ocorre no âmbito federal: as lições de junho foram para o lixo. O debate é deletério; as prioridades, idem. O salto à frente destinado a empolgar a sociedade resume-se à compra de 36 supercaças de fabricação sueca que começarão a ser entregues em 2018 se o cronograma for obedecido.
Embora 12 anos atrasada, a decisão foi correta sob todos os pontos de vista – estratégico, militar e econômico. Mas a bandeira desfraldada através dessa transação não atende às necessidades nem às expectativas de um país que já deveria ter decolado da condição de promessa.
As ameaças que pairam no nosso horizonte não são as externas. O pretexto da defesa da soberania territorial só será validado quando formos capazes de defendê-las dos inimigos que estão ao lado, dentro das nossas fronteiras, sabotando o progresso, trabalhando contra o bem comum.
A espionagem eletrônica da qual o país está sendo vítima não será combatida pelos punhos (Gripen) suecos. Para defender nossas riquezas, sobretudo submarinas, precisamos antes de competência organizacional e eficiência educacional, políticas públicas inovadoras, pluralistas.
Os pilotos da FAB são considerados os melhores do mundo, mas, antes que levantem voo com suas máquinas novinhas em folha, será necessário superar as turbulências que há oito anos consecutivos atormentam a nossa aviação comercial. A parceria Brasil-Suécia tem tudo para dar certo. Sobretudo quando atentarmos para as nossas diferenças: eles estão fechando presídios por falta de criminosos, os nossos estão abarrotados.
A figura do Papai Noel sentado no cockpit de um supercaça deverá agradar à criançada e à vasta gama de associados do Clube Brasil Grande. Os membros do Clube Brasil Justo, mais numerosos, certamente preferirão Papai Noel lendo uma biografia não autorizada. Ou um romance chamado Lembrem-se de Junho.
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