RIO DE JANEIRO - No recém-lançado "Descobri que Estava Morto" — o qual, na melhor tradição do romance carioca, consegue juntar numa ponta Machado de Assis e Lima Barreto e, na outra, Rubem Fonseca e Carlos Heitor Cony (especialmente o de "Pilatos") —, J.P. Cuenca narra uma festa em Santa Teresa: quando o som de tiros e bombas lá fora deixa a música ambiente inaudível, o anfitrião aconselha aos fumantes que evitem a janela.
Agora que estamos ligados no julgamento de Dilma e, passadas pouco mais de duas semanas, ninguém mais lembra que a cidade sediou uma Olimpíada ("Bolt? Que Bolt? ), que resgatamos a honra do biscoito Globo, que estamos curados do vírus da zika e do complexo de vira-lata, que o nadador americano perdeu rios de dinheiro em patrocínios, que temos um bulevar à beira-baía plantado, um velódromo e uma Jady Duarte para mostrar ao mundo — quem sabe agora pudéssemos olhar além da janela de onde se vê o Corcovado e o Redentor?
Para ficar só no período dos Jogos – sim, eles existiram –, houve no Rio 95 tiroteios e ao menos 31 mortos e 51 feridos, segundo dados da Anistia Internacional. Os roubos aumentaram 44%, mesmo com todo o aparato montado pelas Forças Armadas e Força Nacional. Uma estatística assombrosa que, sobretudo nas periferias, só faz crescer, e registrou a morte de um herói já esquecido: o soldado Hélio Vieira Andrade, baleado na testa no Complexo da Maré.
O Estado está nas cordas. Vai decretar falência logo após as eleições municipais — ou antes. Uma recente pesquisa do Ibope revelou que o índice dos que consideram "ótimo" o governo do macróbio Francisco Dornelles foi de 0% (isso mesmo, 0%).
A sina de parte dos moradores da cidade, quando está numa festa, é intoxicar-se com fumaça de cigarro nos salões fechados. Uma outra parte morre.
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