Lembro que fiquei emocionado quando li que tinham localizado a nascente do rio Amazonas. Quem sabe por que nos emocionamos? Tem gente que chora em largada de rali, ou vendo comercial de talco para criança, e depois não sabe explicar por quê.
Não havia nada de emocionante na notícia que li, mas me comoveu, por alguma razão. Nada mudou na natureza do rio e na nossa percepção dele com aquela nova informação, por assim dizer, biográfica. Todos os rios nascem em algum lugar, por que o nascedouro do Amazonas despertaria aquela pieguice? Mas sei lá, me comovi.
Exploradores da National Geographic Society tinham descoberto que o Amazonas começa como pingos de uma geleira do Nevado Mismi, uma montanha no Peru.
O filete de água que escorre pela parede rochosa do Nevado Mismi é o ponto mais distante da foz do Amazonas, lá no Atlântico, na bacia de rios andinos que se juntam para formar o rio maior. No pingo já está a pororoca. No nosso começo está o nosso fim, como disse o poeta, não me pergunte qual.
Rios são metáforas fortes: de vida que passa e ao mesmo tempo fica, de tempo que se esvai e nunca termina, do passageiro e do eterno. “Essa água que não para, de longas beiras” (Guimarães Rosa em A Terceira Margem do Rio). Suas nascentes são metáforas mais obscuras: do começo e da razão profunda de tudo. Do primeiro mistério.
Durante muito tempo a localização da nascente do Nilo foi um desafio para exploradores europeus. Sua busca, em contraste com o desinteresse dos nativos, para os quais a origem do rio era obviamente um dadivoso deus das águas, simbolizou o domínio do pensamento colonizador científico sobre uma cultura mágica. Joseph Conrad foi buscar na vertente podre do Congo, no coração escuro da floresta, uma representação do manancial de loucura e maldade da espécie, nossa danação no nosso começo.
Rios, no fim – ou no começo – simbolizam o que a gente quiser. A goteira do Nevado Mismi representa o que? Talvez a única oportunidade de se olhar o Amazonas como algo amável, e manejável. Depois ele cresce, fica poderoso e incompreensível, e quando entra no Brasil já ficou demais. Simbolizando nossa histórica dificuldade em saber o que fazer com tanta natureza.
De novo Guimarães Rosa:
“Só na foz dos rios é que se ouvem os murmúrios de todas as fontes”.
Isso também: o rio vai acumulando ruídos desde o seu nascer silencioso, sua fonte só fará barulho quando ele se despejar no mar. O filete de água que que escorre pela parede do Nevado Mismi já é estrondoso.
Só lhe falta história para ser ouvido.
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