Paz para abanar o rabo
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 10/05/10
RIO DE JANEIRO - Um dos melhores indicadores do clima de uma favela são os cachorros. Sua atitude diante de pessoas estranhas ao morro define se a comunidade está pacificada ou não. Nas favelas conflagradas, os cachorros saem correndo à menor visão de um par de botas -as botas da PM. Sabem que, se não ficarem espertos, serão chutados para sair da frente ou pisados por gente em fuga, o que acontece quando a polícia sobe o morro.
Outro aferidor seguro são as crianças. Nas comunidades em guerra, as crianças se mostram pouco, e as que aparecem, amadurecidas a pulso, olham duro para os de fora. Suas brincadeiras são condicionadas pelas facções em luta, que demarcam os territórios e, quando abrem fogo entre si, não ligam para inocentes na linha de tiro. Ou pelas milícias, que também não sabem usar talher de peixe.
Outro dia, ao subir a uma favela no Catete, vi uma cadela amamentando sua ninhada no meio da passagem principal. As pessoas se desviavam para não perturbar a função. Mas, claro, era o morro Tavares Bastos, onde, há anos, o Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) inaugurou uma nova relação entre polícia e moradores, que está agora se espalhando com as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora).
Um dos vários morros recém-premiados com uma UPP e reintegrados ao Rio foi o da Providência, histórico, secular, ex-da Favela. Um fotógrafo nascido e criado lá me disse que aquela era a sexta ocupação da Providência desde que ele usava fraldas. Mas a primeira em que estava levando fé.
Perguntei-lhe pelos cachorros e crianças da Providência. Respondeu que, depois de muito tempo, os cachorros estavam abanando o rabo para os estranhos e os garotos jogavam pelada contra os dos morros vizinhos e pareciam ter a idade que efetivamente tinham.
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