O Estado de S.Paulo - 27/08
O governo argentino deu mais um aperto nas travas do comércio com o Brasil. O argumento é que a forte desvalorização do real prejudicou as exportações da Argentina.
É mais do mesmo e muito pouco para enfrentar a deterioração econômica e a perda de iniciativa política do governo de Cristina Kirchner.
A derrota acachapante nas eleições primárias de agosto, quando os candidatos oficiais obtiveram apenas 27% dos votos (em 2011 foram 54%), tem tudo para se repetir nas eleições de outubro. "Cuesta abajo en mi rodada", cantava Gardel em 1934.
O consultor Dante Sica, ex-secretário da Indústria no período Duhalde, observa que, se a deterioração da economia já deixava pouca margem de ação para o governo, a derrota política a estreitou ainda mais.
O crescimento econômico (PIB), um dos pontos altos do governo Kirchner anos atrás, não será superior a 3% neste ano e deverá ser reduzido até 2018. A inflação real se mantém na faixa dos 25% ao ano (embora o governo só admita 9,9%). O desemprego está crescendo e já atinge 7,9% da força de trabalho. A escassez de moeda estrangeira estrangula as importações. Pior que tudo, "a sensação térmica é de prostração", porque a perda de renda deixa as coisas mais difíceis.
A política de controle de preços e tarifas e a distribuição de subsídios ao consumo provocaram enormes desalinhamentos nos preços relativos (veja tabela). Além disso, alargam o rombo fiscal repetidamente financiado com emissões de moeda. O dólar paralelo (blue) saltou em maio para níveis 96% acima da cotação oficial. Mesmo com os incentivos ao repatriamento de dólares e a desvalorização do peso argentino de 21% em 2013, a "brecha" entre as cotações se mantém à altura dos 60%. Nos primeiros sete meses deste ano, as reservas caíram US$ 6,2 bilhões, para US$ 37 bilhões.
A reação do governo se limita a medidas pontuais e de curto prazo. As questões de fundo não são atacadas. Para Dante Sica, o principal problema é o energético. As tarifas de energia elétrica e dos combustíveis estão congeladas. Os subsídios do setor chegam perto de 4% do PIB. O governo de Cristina Kirchner importa gás da Bolívia a US$ 18 por milhão de BTU e o repassa ao mercado interno a cerca de US$ 3. A produção interna de petróleo e gás vem declinando e tende a comprometer o consumo e a produção.
"Ou o governo de Cristina Kirchner se limitará a mudanças cosméticas para dar a impressão de que está agindo ou, então, dobrará a aposta e tentará aprofundar o modelo atual, com aumento de impostos e mais restrições à compra de dólares", opina Sica.
Não há perspectiva de que a economia argentina supere suas distorções até o fim do mandato da atual presidente (2015). Isso significa que não se deve esperar por remoção das travas às importações do Brasil. Ao contrário, o saldo negativo do comércio com o Brasil, de US$ 5,8 bilhões em 2011, reduziu-se a menos de US$ 830 milhões em 12 meses, até julho de 2013 (veja o Confira). Como o governo Dilma tolera as restrições, elas também não têm por que ser removidas.
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