Valor Econômico - 27/08
Idealmente, numa sociedade com sólidas instituições, em que o Estado é constitucionalmente constrangido a regular, de preferência, a atividade produtiva através da organização de mercados competitivos, que garantam a plena liberdade de escolha individual do emprego e do consumo, a política econômica objetiva dois equilíbrios dinâmicos: o interno e o externo.
O equilíbrio interno tenta atingir o nível da atividade econômica que esgota o fator de produção não transacionável mais escasso. Esse nível depende: 1) do consumo privado, influenciado pelo salário real, pela expectativa de emprego e pelo crédito; 2) do investimento privado, que depende da própria expectativa sobre o nível futuro da atividade, da taxa de juros real e do crédito; 3) das despesas discricionárias do governo no seu consumo, no processo redistributivo e no seu investimento; 4) das exportações, que dependem do nível da demanda externa, da produtividade da economia e, positivamente, da taxa de câmbio real; e 5) das importações necessárias para complementar o consumo, a produção e os investimentos, que dependem do nível da própria atividade e, negativamente, da taxa de câmbio real.
O equilíbrio interno exige, adicionalmente, que ele se realize com uma taxa de inflação relativamente estável e parecida com a dos competidores no mercado internacional.
Finalmente, o equilíbrio externo significa que eventuais déficits em conta corrente devem ser confortavelmente financiáveis e relativamente imunes aos aleatórios movimentos de capitais, que são induzidos pelos diferenciais das taxas de juros reais internas e externas.
Como, no mundo real, se realizam tais equilíbrios? Para os economistas da metodologia do "suponhamos que", é simples. Suponhamos: 1) um governo verdadeiramente crente na "eficiência dos mercados" e que dá a todos quantos existirem, as condições necessárias para a sua plena flexibilidade (de forma que sempre estarão em equilíbrio); 2) que o trabalho é uma mercadoria como qualquer outra e que o salário é determinado num mercado igual ao dos parafusos, que aceitam qualquer rosca, não têm preferências e, principalmente, não votam; 3) que o governo obedeça às restrições orçamentárias e conhece o nível da atividade possível; e 4) que o Banco Central controle a taxa de juros real para manter a oferta global igual à demanda global (para obter a taxa de inflação desejada). Suponhamos, finalmente; 5) que a taxa de câmbio real flutuante mantenha o saldo em conta corrente administrável. Com mercados completos (onipresentes) e oniscientes, o sistema estaria sempre em equilíbrio no nível máximo da atividade.
O grande número de variáveis a serem controladas levou a uma divisão do trabalho entre as autoridades fiscal e monetária, da qual resultou a famosa política econômica canônica resumida no tripé: 1) política fiscal anticíclica (o que mostra que o sistema tem flutuações ínsitas) com superávits primários que levem a dívida pública bruta/PIB a dar espaço para o aumento de gastos do governo quando necessário; 2) meta de inflação estabelecida pelo poder político, que autoriza o banco central autônomo a fixar a taxa de juro real que estabiliza a expectativa da inflação no nível da meta; e 3) câmbio real com flutuação relativamente suja para reduzir a volatilidade sem pretender fixar o seu nível.
Há, seguramente, alguns problemas com o modelo derivado da organização do mercado de trabalho, porque ele nega, de fato, a possibilidade do desemprego e lhe faltam preocupações que reduzam a tendência dos mercados à concentração da renda e estimulem o aumento da igualdade de oportunidades, fundamentais para a estabilidade social.
Há mais. Não há nenhuma razão para supor que a taxa de juro real que estabiliza a inflação interna seja compatível com a taxa de câmbio real que mantém o nível da atividade interna. Se o diferencial entre as taxas de juros reais interna e externa estimular a absorção de poupança externa isso levará à valorização da taxa cambial, à destruição da produção interna e, eventualmente, a problemas com o financiamento do balanço em conta corrente.
O exemplo brasileiro é claro. O combate à crise de 2008 levou a medidas que estimularam o aumento do salário nominal muito acima dos aumentos da produtividade e da própria taxa de inflação e a uma valorização oportunística do câmbio nominal para combater a inflação. Como consequência, o câmbio real, que é igual à relação câmbio nominal/salário nominal, sofreu até recentemente uma dramática valorização.
O resultado disso foi uma queda do nosso saldo comercial (a despeito do aumento das relações de troca), de um nível de US$ 25 bilhões na média de 2008-12, para qualquer coisa como US$ 5 bilhões em 2013. A tabela abaixo dá a soma das contas do balanço de conta corrente de 2008 a 2013 (em US$ bilhões). No período, o investimento direto estrangeiro superou o déficit em conta corrente em US$ 10 bilhões.
Não é possível aceitar um déficit em conta corrente de quase US$ 300 bilhões em seis anos, e de quase US$ 80 bilhões em 2013, como "natural", apesar dele ser 3,5% do PIB. Aqui o número conta. As condições do mundo estão mudando e o financiamento pode ficar bem mais difícil. É isso que o ajuste endógeno da taxa de câmbio está sinalizando.
2 comentários:
O quê o tempo faz nos humanos?
Sr. Delfim essa "zelite" ainda usa sua receita dos anos de 1970 em que o Sr. pregava:
"Tem que fazer o bolo crescer para depois dividir!"
Avise-os que chega de "fermento", chegou a hora de "fatiar o bolo".
é matuto mesmo...
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