O Estado de S.Paulo - 27/08
Um dos aspectos da nossa política externa que pouco têm merecido atenção é o da assistência técnica e financeira prestada pelo Brasil a dezenas de países, em especial da África e da América Latina. São gestos políticos que tentam reforçar nossa solidariedade. Discretamente, e aumentando gradualmente seu soft power, o Brasil, nos últimos anos, tornou-se um dos maiores doadores e prestadores de assistência técnica e financeira a países de menor desenvolvimento relativo.
Recente relatório elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC), do Ministério das Relações Exteriores, reúne dados e informações sobre as principais iniciativas implementadas pelo Brasil, de forma bilateral ou multilateral, no contexto da cooperação brasileira com outros países em desenvolvimento. Em 2010 o País investiu aproximadamente R$ 1,6 bilhão na cooperação para o desenvolvimento, representando um aumento nominal de 91% em relação a 2009. Desse total, R$ 548 milhões foram gastos a título de contribuição para 143 organismos internacionais; outros R$ 490 milhões tiveram como destino ações de cooperação técnica, científica, tecnológica, educacional ou ajuda humanitária; 68,1% dos processos bilaterais de cooperação foram com países da América Latina e do Caribe e 22,6%, com países do Continente Africano.
Os recursos são em parte oriundos da ABC. Provêm também de outras instituições, como Embrapa, Conab e BNDES; e do Tesouro Nacional para ajuda humanitária a países afetados por desastres naturais, para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, para o programa de alimentação da FAO, para ajuda à Faixa de Gaza e ao Haiti. Com essa finalidade foram criados escritórios de pesquisas agrícolas em Gana, fazenda-modelo de algodão no Mali, fábrica de medicamentos antirretrovirais em Moçambique e centros de formação profissional em cinco países africanos.
Por iniciativa da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) promoveu recentemente encontro em que foram examinados diferentes aspectos do soft power brasileiro. Nessa oportunidade, o papel da ABC foi ressaltado como de grande relevância e se sugeriu o fortalecimento da agência e o reforço dos recursos financeiros postos à sua disposição, já que o orçamento disponível para 2011, US$ 52 milhões, foi reduzido para US$ 36 milhões em 2012 e 2013.
Durante a visita da presidente Dilma Rousseff à Etiópia para reunião da União Africana foi criado o Grupo África, para estudar medidas com vista a ampliar a assistência técnica e de desenvolvimento do Brasil aos países desse continente. Foi noticiado na ocasião que uma das medidas em estudo pelo governo brasileiro seria transformar a ABC numa autarquia, com mais autonomia e maiores recursos financeiros (da ordem de R$ 300 milhões). A estrutura dessa nova agência ainda não está definida e um grupo de trabalho analisa diversos modelos internacionais. A ABC continuaria com a vinculação ao Itamaraty, embora com autonomia orçamentária, e seria criada uma carreira própria para seus funcionários.
O fortalecimento da ABC é uma notícia alvissareira, que deve ser apoiada com entusiasmo. Virá aperfeiçoar e reforçar um importante instrumento da política externa a serviço da projeção do Brasil no exterior (soft power). A agência só não pode executar sua missão de forma mais eficiente e atuante pela absoluta falta de recursos.
Caso essas providências sejam tomadas, ficaria afastada a ideia em estudo de atribuir à ABC competência para tratar de comércio internacional, com o suposto objetivo de favorecer a balança comercial do País. Além dessa vertente comercial com a função adicional de financiar a compra de produtos brasileiros e de promoção de negócios na África e na América Latina, a agência teria ainda competência para apoiar os investimentos de empresas nacionais no exterior. Essa possibilidade, também noticiada pela imprensa, poria em perigo o braço de assistência técnica do Itamaraty, com repercussão negativa sobre nossa projeção externa.
Para as funções que poderiam ser atribuídas a essa nova agência já existem outros órgãos públicos: a Agência Brasileira de Exportações (Apex), que cuida da promoção de produtos brasileiros no exterior, com participação em feiras e organização de eventos; a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), que cuida de buscar investimentos produtivos e inovação; e o próprio Itamaraty, por meio do Departamento de Promoção Comercial. Por outro lado, o governo discute há mais de dois anos a criação do Banco de Importação e Exportação (Eximbank), que deveria financiar os compradores de produtos brasileiros. O banco está paralisado por disputa interna entre diversos órgãos do governo.
O comércio exterior brasileiro não precisa de mais outro órgão para aumentar sua eficiência e maior participação no intercâmbio global. Quase 20 ministérios e agências interferem direta ou indiretamente no processo de exportação; a burocracia e a ineficiência desses órgãos são fatores que alimentam o custo Brasil e tornam nossos produtos menos competitivos.
O setor externo necessita de menos interferência do governo e mais coordenação no processo decisório. No documento Agenda de Integração Externa, recentemente divulgado, a Fiesp pede a reforma do processo decisório para tornar mais efetiva a ação do governo via fortalecimento da Câmara de Comércio Exterior (Camex) como ponto focal da formulação da política de comércio exterior e da negociação externa. Para alcançar esse objetivo a Fiesp propõe vincular a Camex diretamente ao presidente da República, a fim de dar um peso político maior no contexto da política econômica e ampliar a coordenação interna.
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