GAZETA DO POVO - PR - 08/03
A Comissão de Ética Pública da Presidência da República se especializou em engavetar denúncias, e por isso já existe quem queira sua extinção
Em viagem de retorno da Suíça e em direção a Cuba, a presidente Dilma Rousseff faz uma escala aparentemente não programada em Lisboa. Hospedam-se – ela e sua numerosa comitiva – em hotel de diária exorbitante e aproveitam a ocasião para um jantar regado a bons vinhos num dos mais caros restaurantes da capital portuguesa.
A ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, vai a Santa Catarina, estado onde mantém domicílio eleitoral, e compraz-se em visitar suas bases utilizando-se de helicóptero de uso exclusivo da Polícia Rodoviária Federal. O Ministério Público investigou, concluiu pela irregularidade no uso da aeronave e exigiu ressarcimento no valor de R$ 35 mil.
Nas vésperas de assumir o cargo de ministro da Saúde, o médico Arthur Chioro convenientemente transferiu para sua mulher o comando da sociedade de uma empresa que faturava na prestação de serviços para o Ministério da Saúde. Para completar a tarefa de não caracterizar a burla, o ministro prometeu que a empresa será mantida inativa enquanto durar sua permanência na pasta.
O ministro do Trabalho, Manoel Dias, transferia verbas oficiais para uma ONG em Santa Catarina. E era (ou é) nesta ONG que ele emprega funcionários fantasmas, naturalmente correligionários políticos. Também foi acusado, ao lado do antecessor Carlos Lupi, de conceder facilidades para a criação de sindicatos em troca de recursos não contabilizados.
Repetem-se diuturnamente, no governo federal, casos tão escabrosos quanto os poucos exemplos enumerados acima. Alguns chegam à esfera da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, organismo criado ainda sob o governo de Fernando Henrique Cardoso e que tem a incumbência de fiscalizar e aplicar sanções aos agentes públicos que transgredirem preceitos éticos definidos no código de conduta.
O resultado, porém, costuma ser o mesmo para quase todos os casos: a Comissão de Ética, cujos membros são nomeados pela própria Presidência, entende que não houve transgressão alguma e simplesmente apõe o carimbo de “arquive-se” nos processos que lhe chegam para examinar. Ou seja: a comissão parece existir apenas para convalidar atos sobre os quais recaem sólidas suspeitas de uso indevido e antiético do poder e das verbas públicas. Não é à toa que o deputado tucano Antonio Imbassahy chegou a pedir a dissolução da comissão, após o episódio envolvendo Ideli Salvatti.
Já houve um pequeno período, no início de seu governo, em que Dilma Rousseff chegou a ser reconhecida como “faxineira”, no sentido de que afastava de seus cargos os auxiliares que se metiam em encrencas éticas. Praticamente numa só leva, foram para o olho da rua seis ministros de Estado, o que rendeu a Dilma imediatos aplausos – logo, porém, silenciados pela constatação de que os demitidos continuavam mandando e indicando substitutos para os postos que deixaram. Caso típico do Ministério do Trabalho, feudo do presidente nacional do PDT, a quem coube colocar no mesmo lugar outro da mesma turma e praticante dos mesmos desvios.
Para que serve, então, a Comissão de Ética Pública? Não seria mais conveniente que ela fosse composta por representantes independentes da sociedade, em vez de membros indicados a dedo pela Presidência? É bem possível que esta fosse, teoricamente, a solução mais adequada – embora não suficiente para eliminar a repetição cotidiana das agressões à ética no âmbito público. Até porque o país já conta com diversas outras instituições cujo mister se assemelha, em grande parte, ao da Comissão de Ética, como os Tribunais de Contas, o Ministério Público e o próprio Congresso. Que a corrupção e o mau uso do dinheiro público floresçam mesmo com tantas instâncias de fiscalização é uma prova de que a solução não está na profusão de órgãos, mas em que eles trabalhem bem.
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