FOLHA DE S. PAULO - 08/03
RIO DE JANEIRO - Pesquisadores de neurociência da Universidade Johns Hopkins, nos EUA, publicaram há pouco, na revista "Plos One", sua descoberta de que, quando os músicos de jazz improvisam sobre uma melodia --criando contramelodias sobre uma base harmônica comum--, estão ativando uma área do cérebro associada à sintaxe, não à semântica. Ou seja, não produzem conteúdos, mas estruturas. O estudo, que utilizou testes de ressonância magnética, visa a mapear o papel do cérebro na criatividade.
A quase 100 anos da gravação do primeiro disco do gênero ("Livery Stable Blues", pela Original Dixieland Jazz Band, em 1917), o achado não me soa como grande novidade. De certa maneira, todos nós, fãs de jazz, já nascemos sabendo disso. O que seria o improviso coletivo de Nova Orleans senão uma deliciosa conversa de comadres significando nada? E o concerto no Massey Hall, de Toronto, em 1953? Charlie Parker e Dizzy Gillespie, rompidos havia anos, não tiveram de fazer as pazes para falar jazzês e se complementar magistralmente em "Perdido", "Hot House" e "A Night in Tunisia".
O estudo diz avançar sobre uma pesquisa iniciada em 2008 e publicada na mesma revista, segundo a qual, quando os jazzistas improvisam, seus cérebros "desligam" os controles de censura e autoinibição, e "ligam" os que liberam a expressão --o que não aconteceria se tocassem um "conteúdo", uma melodia conhecida e sem variações.
Com todo o respeito pelos rapazes da Johns Hopkins, a façanha da bateria da Mangueira neste Carnaval, reduzindo-se de repente aos surdos e tamborins, deve ter exigido uma ginástica cerebral equivalente. E o que dizer de certas rodas de samba, como as de Moacyr Luz às segundas-feiras no clube Renascença?
Pensando bem, o que será também o sexo entre duas pessoas senão uma ginástica sintática, não semântica?
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