O GLOBO - 08/03
Desde que o Supremo reviu a pena de formação de quadrilha no julgamento do mensalão, estabeleceu-se no país debate completamente paranoico sobre o aparelhamento do plenário do STF pelo fato de que os dois novos ministros, Luis Roberto Barroso e Teori Zavascki, indicados pela presidente Dilma, foram decisivos para a mudança da condenação em absolvição.
Os petistas, por sua vez, consideraram uma vitória a absolvição por quadrilha e correram a alardear um suposto reconhecimento de que o Supremo errara no primeiro julgamento.
Não concordo com a teoria da conspiração que denuncia um plenário manipulado, embora pessoalmente defenda a tese de que não seria possível a realização de um assalto ao dinheiro público tão bem planejado, em diversos níveis de atuação, se não houvesse um comando central de uma organização criminosa por trás.
Não concordo com a teoria da conspiração que denuncia um plenário manipulado, embora pessoalmente defenda a tese de que não seria possível a realização de um assalto ao dinheiro público tão bem planejado, em diversos níveis de atuação, se não houvesse um comando central de uma organização criminosa por trás.
Do mesmo modo, é risível a tentativa de transformar a mudança do STF em indicativo de que há espaço para uma revisão criminal que anule o julgamento. Tanto a formação de quadrilha quanto a lavagem de dinheiro - outro crime que possivelmente será anulado pelo novo plenário na análise dos embargos infringentes - são de definição controversa, e é perfeitamente natural a interpretação da lei em sentido inverso, tanto que, dos 12 que votaram no julgamento a esse respeito, metade foi para um lado, e a outra metade, para o outro.
Não é à toa que minha leiga percepção da questão teve o respaldo de nada menos que seis ministros do STF no decorrer do julgamento, enquanto ao fim outros seis ministros votaram em sentido contrário. A maioria "feita sob medida" a que se referiu pejorativamente o presidente do STF, Joaquim Barbosa, foi formada circunstancialmente, mas não tem nada de anormal. A Suprema Corte dos Estados Unidos tende a ficar mais liberal ou conservadora à medida que presidentes democratas ou republicanos nomeiam ministros. Segundo Diego Werneck Arguelhes, professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas e especialista no sistema Judiciário americano, sabe-se que há uma tendência geral a um alinhamento de crenças e valores básicos entre o indicado e quem indicou.
Nas últimas décadas, isso significa que presidentes mais liberais tendem a indicar ministros com crenças mais progressistas em questões morais e mais simpáticos à regulação estatal, enquanto presidentes mais à direita indicam ministros do outro lado do espectro nessas questões. Os juízes John Roberts e Samuel Alito, indicados por George W. Bush, são publicamente próximos do Partido Republicano. Já as juízas Elena Kagan e Sonia Sotomayor, indicadas por Obama, têm perfil significativamente mais progressista. A diferença é que a Suprema Corte não trata de questões criminais, ao contrário do STF.
Talvez essa seja uma grande diferença, pois ser conservador ou liberal quanto a questões éticas e morais é uma coisa, outra é definir o quanto os valores morais e políticos de um ministro, claramente importante na interpretação constitucional, podem e devem, ou não, influir no julgamento de uma ação criminal originária. Mas, no fundo, estamos falando da mesma coisa se considerarmos que não ver crime de quadrilha no mensalão equivale a compreender o caso como consequência das leis eleitorais e não como ação delinquencial de políticos petistas.
Se pegarmos a história dos dois novos ministros, não há qualquer indicação de que sejam juízes ou juristas sujeitos a pressões ou manipuláveis.
Têm simplesmente seus pontos de vista, revelados em anos de atuação. O que ocorre, pelo menos no caso do Barroso, é que ele tem "proximidades ideológicas" com o governo petista e visão bastante próxima da dos que defendem a tese de que houve "apenas" caixa 2 eleitoral. Barroso, considerado um dos maiores constitucionalistas do país, sempre foi um advogado ligado à esquerda.
Defendeu a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, pesquisa com células-tronco embrionárias, união homoafetiva e rejeição da extradição de Cesare Battisti, todos temas caros à esquerda que se autointitula progressista.
Zavascki é muito respeitado pela doutrina criada nas áreas de Direito Administrativo e Tributário, com atuação de destaque no STJ. O que deve ter acontecido é que, vendo posições anteriores dos dois, o Planalto os tenha escolhido sem mesmo precisar macular a sabatina com pergunta direta sobre suas posições específicas.(Continua amanhã)
Não é à toa que minha leiga percepção da questão teve o respaldo de nada menos que seis ministros do STF no decorrer do julgamento, enquanto ao fim outros seis ministros votaram em sentido contrário. A maioria "feita sob medida" a que se referiu pejorativamente o presidente do STF, Joaquim Barbosa, foi formada circunstancialmente, mas não tem nada de anormal. A Suprema Corte dos Estados Unidos tende a ficar mais liberal ou conservadora à medida que presidentes democratas ou republicanos nomeiam ministros. Segundo Diego Werneck Arguelhes, professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas e especialista no sistema Judiciário americano, sabe-se que há uma tendência geral a um alinhamento de crenças e valores básicos entre o indicado e quem indicou.
Nas últimas décadas, isso significa que presidentes mais liberais tendem a indicar ministros com crenças mais progressistas em questões morais e mais simpáticos à regulação estatal, enquanto presidentes mais à direita indicam ministros do outro lado do espectro nessas questões. Os juízes John Roberts e Samuel Alito, indicados por George W. Bush, são publicamente próximos do Partido Republicano. Já as juízas Elena Kagan e Sonia Sotomayor, indicadas por Obama, têm perfil significativamente mais progressista. A diferença é que a Suprema Corte não trata de questões criminais, ao contrário do STF.
Talvez essa seja uma grande diferença, pois ser conservador ou liberal quanto a questões éticas e morais é uma coisa, outra é definir o quanto os valores morais e políticos de um ministro, claramente importante na interpretação constitucional, podem e devem, ou não, influir no julgamento de uma ação criminal originária. Mas, no fundo, estamos falando da mesma coisa se considerarmos que não ver crime de quadrilha no mensalão equivale a compreender o caso como consequência das leis eleitorais e não como ação delinquencial de políticos petistas.
Se pegarmos a história dos dois novos ministros, não há qualquer indicação de que sejam juízes ou juristas sujeitos a pressões ou manipuláveis.
Têm simplesmente seus pontos de vista, revelados em anos de atuação. O que ocorre, pelo menos no caso do Barroso, é que ele tem "proximidades ideológicas" com o governo petista e visão bastante próxima da dos que defendem a tese de que houve "apenas" caixa 2 eleitoral. Barroso, considerado um dos maiores constitucionalistas do país, sempre foi um advogado ligado à esquerda.
Defendeu a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, pesquisa com células-tronco embrionárias, união homoafetiva e rejeição da extradição de Cesare Battisti, todos temas caros à esquerda que se autointitula progressista.
Zavascki é muito respeitado pela doutrina criada nas áreas de Direito Administrativo e Tributário, com atuação de destaque no STJ. O que deve ter acontecido é que, vendo posições anteriores dos dois, o Planalto os tenha escolhido sem mesmo precisar macular a sabatina com pergunta direta sobre suas posições específicas.(Continua amanhã)
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