ZERO HORA - 08//03
O fato é que estamos vivendo num ambiente selvagem, violento, perigoso e vamos nos adaptando a ele
Escrevo movido pela indignação com a violência a que temos assistido e vivido em nosso país. Amigos, irmãos de amigos, homens de bem, jovens promissores, cidadãos valiosos, mulheres, mães, pais, filhos sendo assassinados cruelmente diante das câmeras de “segurança”, às quais assistimos impotentes. O que está acontecendo? Por que essa violência desenfreada, tantas brigas e disputas no trânsito, tanta violência nas escolas? Concordo com David Coimbra (ZH, 28/02) em que a miséria não explica tudo. O que explica, então? Vejamos alguns fatores.
Creio que estamos vivendo no Brasil um problema singular e grave, que é a ruptura dos códigos coletivos. O que é isso?
A impunidade é um dos fatores que conduzem a essa quebra. Ou seja, a lei é um código coletivo que sinaliza que qualquer um que infringi-la será punido. Na medida em que isso não é cumprido, crimes ocorrem e não são punidos, seja por um desaparelhamento da polícia, seja pela interferência do poder político e econômico, várias mensagens são enviadas. A primeira, óbvia, é que o caminho está livre para a prática criminosa. Mas outra, muito preocupante, é que vivemos numa cultura em que “é cada um por si”. Cada um se proteja e proteja os seus como puder, e se puder. Há uma perda de confiança num sistema coletivo protetor.
Um segundo fator de quebra dos códigos coletivos é o esvaziamento do poder da palavra. A palavra é talvez o maior código coletivo que temos. Cadeira deve ser cadeira para todos. Se alguém chama uma cama de cadeira, dizemos que ele está louco, psicótico. Pois, no Brasil temos visto, especialmente em alguns políticos, que, frente às evidências de corrupção, de desmandos e incompetências administrativas, diz-se qualquer coisa. Explica-se qualquer coisa e com desfaçatez. Ou seja, a realidade é uma, todos estão vendo, e diz-se qualquer coisa. A palavra não serve mais para refletir a realidade, óbvia para todos. Ora, isso faz com que nosso código coletivo mais básico que é a palavra perca a sua força. Tudo é possível, há uma perda total dos limites, qualquer coisa poderá será chamada de qualquer palavra, e aí voltamos ao “cada um por si”.
Uma ilustração singela desta cultura do “cada um por si”, de quebra de outro código coletivo, é o nosso trânsito, espaço público a ser compartido por todos. Em nossa cidade vige um clima em que um não dá espaço ao outro. Se um motorista está numa via pública e outro precisa entrar nela, sofrerá para encontrar uma boa alma que lhe dê passagem. A maioria acelerará seu carro para não dar uma brecha que viabilize a entrada do pobre infeliz. Este, por sua vez, privado do código coletivo que a via pública é de todos, que o outro tem direito a nela entrar, que existem leis e códigos de convivência, quando estiver na via pública não dará espaço ao próximo necessitado. É o “cada um por si”. O “cada um por si” é a falência da lei, da moral e da ética.
O fato é que estamos vivendo num ambiente selvagem, violento, perigoso e vamos nos adaptando a ele, mas subjaz um sentimento de desamparo, pois sente-se que o poder público está inoperante para lidar com esta realidade. Não por falta de homens competentes, mas por uma estrutura pervertida. Polícia, professores, médicos e demais profissionais da saúde mal pagos, insuficientes e sem condições de trabalho. Ou seja, segurança, educação e saúde precários. Há sintoma maior?
Indignação!
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