FOLHA DE SP - 13/05
A direita é grotesca, brega, primitiva, evangélica. O brega nunca tem razão
A reflexão sobre política avançou nos últimos tempos, para além da analise dos partidos ou da máquina do governo. O conceito de comportamento invadiu a reflexão sobre política. Isso significa que elementos exteriores ao interesse pelo poder propriamente dito ou pela busca de institucionalização dos conflitos, típico da política prática, influenciam profundamente o debate e a militância.
Por exemplo, alguém pode ser de esquerda só pra se sentir parte das pessoas identificadas como bacanas. Essas pessoas bacanas se juntam em jantares inteligentes, soltam expressões como “... e depois de Bolsonaro... que horror”, ao mesmo tempo que babam em cima da moda brega dos vinhos (que aparentemente nunca vai passar...). Aliás, a era Bolsonaro produziu muito prazer para quem precisa integrar uma identidade por meio do ódio. Sejam essas pessoas bolsonaristas ou sejam essas pessoas bacanas.
Ânsia de status é um fenômeno largamente conhecido no capitalismo avançado. Significa uma ansiedade específica que se pode traduzir diretamente do inglês “wanna belong” (querer pertencer): quero me sentir parte dos ungidos, como diz o intelectual americano Thomas Sowell.
Os ungidos são pessoas que podem não fazer nada de especial na vida, mas tudo que fazem, parece especial pelo traço característico de fazer o nada que fazem parecer tudo que é necessário fazer para pertencer ao grupo dos ungidos (os bacanas que falei acima).
Marcadores desse pertencimento podem ser opiniões sobre temas chaves, como sexualidade (trans, gay), restaurantes descolados, filmes alternativos, praias supostamente autênticas —uma marca essencial desse tipo de praia é que o povo não chegue perto de jeito nenhum—, lojas que frequentam, bairros que moram.
Como todo processo marcado pela ânsia psicológica e social de status, ocorre um esmagamento do sujeito: ele fica rígido, os gestos calculados, o corpo variando da histeria a imobilidade. A face perde a cor.
Neste caso, a adesão a um universo específico de ideias políticas não passa por nenhuma tentativa de entendimento da realidade, mas, muito pelo contrário, a tentativa de entendimento da realidade ficará submetida a ânsia de status em si. Esse traço de comportamento tende a se radicalizar na era do Instagram, uma vez que nessa era o que conta é a edição da vida e não a vida em si, pelo simples fato desta sempre estar imersa no fracasso do status.
O status tem a consistência do gelo: derrete diante do calor da batalha. Uma foto votando no “candidato certo” tem uma validade semelhante a uma foto ao lado de uma cachoeira supostamente descolada ou um vulcão na Islândia.
A direita, por sua vez, é grotesca, brega, primitiva, “evangélica”, malvada. Como alguém que não entende de vinhos, que usa rider, que não vê filmes alternativos, que não veste roupas de lojas descoladas, que não sabe tratar seus empregados de forma fofa, pode, algum dia, ter razão?
O brega nunca tem razão. O descolado, por gerar a ânsia de status em você, sempre parece o certo. A dimensão estética do pretensamente chique se impõe como critério de verdade.
O lugar do jovem nessa ânsia de status é fundamental: a projeção dos pais que sofrem de ânsia de status sobre os filhos implica que estes também carreguem sobre si os marcadores de status. Devem ser evoluídos (suspeito que a palavra evoluídos deve logo ir para a lata do lixo como cabala, energia, gratidão e similares), implicados com causas sociais, frequentar a praça Roosevelt, o centro de São Paulo e, se possível, ter ultrapassado a díade “macho-fêmea” na espécie Sapiens.
Aliás, os jovens (filhos, principalmente) são essenciais como marcadores em si de status. Quando você afirma que concorda com os jovens ou que reconhece que eles são melhores do que as gerações anteriores, você está, implicitamente, afirmando que você é, em si, jovem como eles. Esta, talvez, seja uma das últimas paradas no trajeto do horror que é sofrer de ânsia de status. Parte da inconsistência da esquerda hoje vem dessa patologia do comportamento.
Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.
Um comentário:
muito bonitinho, mas o brega não tem razão...MESMO! MAM
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