quarta-feira, setembro 10, 2014

Contadora é ameaçada - REVISTA VEJA


Testemunha-chave da polícia, Meire Poza foi procurada por um homem que se apresentou como advogado das empreiteiras envolvidas com Alberto Youssef. A conversa foi gravada.

ROBSON BONIN

As máfias são sociedades secretas que crescem à sombra do Estado, nutrem-se do crime, espalham tentáculos pelas instituições oficiais e se protegem empregando a violência. À medida que avançam as investigações da Polícia Federal sobre os negócios criminosos do doleiro Alberto Youssef, tornam-se mais evidentes os sinais de que uma organização ilegal se instalou no coração da maior estatal brasileira, a Petrobras. Um esquema que envolve políticos, partidos e algumas das maiores empresas do país. Há dois meses, a contadora Meire Poza colocou-se na linha de fogo entre os criminosos e a polícia. Ela, que comandou a engenharia financeira da quadrilha por quase quatro anos, que sabe quem pagou, quem recebeu, quem é corrupto, quem é corruptor, decidiu mudar de lado e colaborar com as investigações. A máfia, porém, não costuma perdoar traição.

Há duas semanas, Meire entregou à Polícia Federal uma gravação que pode criar sérios problemas a quatro grandes empreiteiras do país. Nela, um homem identificado como Edson tenta convencer a contadora a aceitar os serviços de um escritório de advocacia contratado pelas empreiteiras envolvidas no escândalo de desvio de dinheiro de obras da Petrobras. O encontro aconteceu na noite de 22 de julho deste ano, em um shopping de São Paulo. A gravação não deixa dúvidas sobre as más intenções do grupo, claramente incomodado com o avanço das investigações da polícia, e muito preocupado com a colaboração de Meire. A intenção é intimidá-la.

Edson, um suposto advogado, se diz representante das empreiteiras Camargo Corrêa, OAS, UTC e Constran. A conversa, gravada pela contadora, começa descontraída, amigável, e vai evoluindo para a ameaça. Prestativo, ele se põe à disposição para ajudar, dar apoio jurídico, mas a oferta é recusada. Em um tom de voz linear, o emissário passa a revelar os verdadeiros propósitos do encontro: "Sabemos que tem uma filha, que são somente vocês duas", diz. No mesmo tom linear, lembra que Meire pertence a um "grupo fechado" e que, como pessoa de confiança de Alberto Youssef, não pode sair desse grupo ou recusar a ajuda de seus clientes. E vai ao ponto central do problema: "Dona Meire, o importante é não falar demais! De repente, uma palavra mal colocada pode ser perigoso, pode ser prejudicial".

Meire tenta se esquivar das ameaças, diz que está começando a não gostar do rumo da conversa, mas o advogado é ainda mais direto: "A senhora pode, sem querer, ir contra grandes empresas, políticos, construtoras. As maiores do país, a senhora entendeu?". Percebendo um sinal de nervosismo na contadora, ele avança, pergunta se Meire acha que ainda tem alguma coisa a acrescentar para a polícia e que tipo de acordo ela pretende fazer. Ela diz que não sabe como procederá. E o advogado vai direto ao ponto mais uma vez: "A gente não pode deixar que a senhora não aceite essa ajuda". Diante da pressão. Meire finalmente reage. Afirma que se sente ameaçada, que não quer ajuda das empreiteiras e encerra a conversa com um recado: "O senhor provavelmente vai estar lá com os seus clientes, com a Camargo (Corrêa), com a UTC, com a Constran, com a OAS... Manda todo mundo ir tomar..."

A polícia ainda tenta descobrir a verdadeira identidade de Edson. Meire Poza contou que conheceu o porta-voz das ameaças no escritório do advogado Carlos Alberto da Costa Silva, segundo ela o responsável por coordenar uma equipe de advogados contratados pelas empreiteiras. Procurado, ele confirma ter recebido Meire Poza em seu escritório para tratar da Operação Lava-Jato. "Essa moça me procurou para pedir ajuda. Ia prestar depoimento à polícia e queria aconselhamento jurídico. A única coisa que fiz foi indicar um colega para acompanhá-la." Costa Silva foi preso na Operação Anaconda, em 2003, acusado de participar de um esquema de venda de sentenças judiciais em São Paulo. E o tal Edson? "Não conheço, nunca ouvi falar." A memória, ao que parece, não é o ponto forte do advogado.

Meire Poza contou que foi apresentada a Costa Silva depois de procurar as empreiteiras para cobrar uma dívida de 500 000 reais que elas tinham com Alberto Youssef antes da prisão do doleiro. As empreiteiras prometeram saldá-la, mas queriam que a contadora se comprometesse a manter silêncio sobre as relações com o grupo — e indicaram Costa Silva para cuidar do acordo. "Adoraria atuar por esses grandes clientes, mas infelizmente não atuo." Em nota encaminhada a VEJA, a UTC, que também controla a Constran, confirmou que o escritório de Costa Silva, ao contrário do que ele disse, presta, sim, serviços jurídicos ao grupo. Se houve a ameaça, a empresa desconhece e garante que nada teve a ver com isso. A Camargo Corrêa negou qualquer envolvimento com o advogado ou com a contadora. A OAS não se manifestou.

O cerco não se restringiu à ameaça. Meire tomou a decisão de entregar a gravação à polícia depois de descobrir que um de seus e-mails fora invadido duas semanas atrás. "Quem acessou meus dados pessoais tomou o cuidado de modificar o número de celular da conta. Acho que fizeram isso para que eu soubesse da invasão. Foi um recado de que eles têm meus dados pessoais e sabem onde eu moro. Fiquei muito assustada", disse a contadora. Desde que virou testemunha da Polícia Federal nas investigações sobre a quadrilha de Youssef, Meire Poza tornou-se um perigo real para os envolvidos, principalmente os  corruptores. Ciente disso, ela avisa que já buscou proteção policial.

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